Reler pode significar descobrir algo novo escondido nas entrelinhas ou relembrar algo velho esquecido em páginas amareladas. Pode ser emocionante, criando novas sensações ou revivendo as antigas, mas também pode ser frustrante, amesquinhando boas lembranças... é um jogo arriscado que vai depender do ânimo de releitor.
Isso foi o que acabei de constatar relendo Memórias Póstumas de Brás Cubas, a pérola da literatura brasileira. Minha primeira leitura, como a de muita gente, foi na adolescência por obrigação. Na época, a maturidade que eu supunha possuir não se fez presente e por isso deixei de entender a obra como a peça de arte que é. O mesmo aconteceu com muitos conhecidos - e desconhecidos - meus. Ler, leram, mas entender... aí é outra história.
A leitura é a visão de quem lê. Quando lemos, colocamos toda nossa bagagem à disposição da obra e é exatamente isso que faz da leitura uma experiência tão única e pessoal. Na verdade, cada leitor é uma casa entulhada de lembranças que o ajudam a se conectar com a história. Há livros que amei enquanto outros odiaram. Há livros que detestei enquanto outros os cultuaram. Humor ácido para os que possuem grandes doses de sal de frutas nas veias, grandes aventuras para mentes imaginativas ao extremo, reflexões açucaradas para os hipoglicêmicos, mistérios insolúveis para os que precisam exercitar seus dotes investigativos e assim por diante.
E nessa onda de descobertas, suas experiências, seus anseios e preferências podem modificar completamente sua noção da obra. Um livro lido na tenra idade pode parecer - e realmente é - totalmente diferente quando lido na maturidade. Muda-se o leitor e também muda-se a obra. É o nosso olhar que a tudo transforma. É o nosso mundo que não é mais o mesmo. É a nossa vida que está em constante mutação.
Releituras, eventualmente, podem ter o mesmo resultado de rever alguns filmes da nossa infância que, na época, pareciam tão incríveis, e hoje, com o peso dos anos, são apenas e tão somente lembranças bonitas embotadas de nostalgia. Às vezes, é melhor não revisitá-las, pois as lembranças podem ser mais benévolas que a realidade. No entanto, há ocasiões, como a minha releitura da joia machadiana, em que descobrimos um tesouro que deixamos passar, por não sermos capazes de desvendar as pistas do mapa do Willy Caolho.
O medo da desilusão e a expectativa de deslumbramento são possibilidades reais de quem se aventura na releitura. E é por isso que o mundo da literatura é tão incrível e convidativo. Nele nos deleitamos e decepcionamos a todo momento, sempre na esperança de sermos arrebatados pela melhor história já escrita. Aquela que mais conversou conosco, que mais nos tocou, que foi lida no momento exato em que dela necessitávamos. Pela descoberta de novas histórias dentro do mesmo texto, de novos mundos e possibilidades, de antigas sensações. Por sairmos de nós mesmos para vestirmos a pele de outras pessoas, reais ou fictícias, que nos ensinam, acalentam, perturbam, fascinam, revoltam ou deslumbram, mas que nunca nos deixam no mesmo lugar.
Eu não tenho o hábito de reler livros, mas concordo plenamente que a bagagem de cada um, assim como o estado de espírito, influenciam muito nossas opiniões sobre uma história. No ano passado reli "O apanhador no campo de centeio", que havia lido e detestado na adolescência. Foi como se estivesse lendo uma história totalmente diferente. O livro passou de um dos mais detestados para minha lista de preferidos. Nada como o tempo para mudar nossas perspectivas, né?
ResponderExcluirbjo
Verdade! Nada como o tempo... Ainda não li "O Apanhador", mas há anos ele está na minha lista e eu tenho que tomar vergonha na cara pra ler... hehehe... Bj
ExcluirPassei por essa situação a pouco tempo, mas não foi com um livro. Pode ser bastante devastador mudar para pior a impressão que tínhamos de alguma coisa, esse gostinho que temos de uma memória bastante anuviada mas divertida é muito precioso. O problema é saber quando ou não devemos revistar o que nos é caro, exatamente para não perder esse goto original que , ao que me parece, é nosso último pedacinho de inocência, de infância até.
ResponderExcluirBeijos ;)
Também concordo que essas nossas lembranças são como nossos últimos pedacinhos de inocência, aquele sentimento de ter algo bom guardado na memória... Por isso que é mesmo uma aventura esse negócio de releituras, tanto para o bem quanto para o mal... Bj
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