COMO AS DEMOCRACIAS MORREM
De Steven Levitsky e Daniel Ziblatt
Publicação original nos EUA, ano 2018
Edição Brasil, ano 2018
Editora Zahar 
272 páginas


Nos últimos anos tem crescido o interesse mundial pelo destino dos regimes políticos ditos democráticos mundo afora. Livros de análise política recheiam prateleiras de várias livrarias físicas e virtuais por todos os cantos. E não é para menos, a formatação dos regimes políticos mundiais tem apresentado sérias alterações. Países que se diziam democráticos estão vendo, com certo assombro, sua política ser infiltrada por várias ideias de extrema direita. E, foi nesse contexto conturbado, que os professores de ciência política de Harvard, os norte-americanos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt publicaram seu livro intitulado “Como as Democracias Morrem”.

Após um ano do governo de Donald Trump, os escritores decidiram publicar suas análises apontando vários erros, ameaças e problemas ao sistema político norte-americano ocorridos naquele período. Junto a isso, os professores apresentaram uma análise geral do regime político estadunidense desde os seus primórdios e, também, ofereceram “soluções” para barrar o que eles entenderam como ameaças aos ditames democráticos da política norte-americana. 


Com dois professores de Harvard a encabeçar a obra, o mundo celebrou essa publicação. O livro fez sucesso em vários países, foi traduzido para várias línguas e ficou durante várias semanas nas listas dos mais vendidos. Um fenômeno editorial dessa monta realmente não é algo a ser menosprezado.


Em resumo, o livro afirma que os EUA possuem a democracia mais tradicional e robusta do 

mundo. Que é um regime político que funciona por regras escritas e não escritas e que, quando essas regras não escritas são ignoradas, a retração democrática é praticamente certa. Nesse contexto, os autores fazem uma análise bastante sistemática do perfil de atuação do governo Trump (tem até uma tabela), apontando todos os traços que eles entenderam como antidemocráticos, os quais, segundo eles, já foram deflagrados fartamente em vários outros países e, agora, são facilmente encontrados em Trump. O livro conta, ainda, com um panorama histórico da política norte-americana com ênfase no período de abolição da escravatura e os motivos que levaram a nação a experimentar, de acordo com a análise pessoal dos autores, período de plena ordem democrática dentro do país. 

Tudo parece ir bem até que o leitor se questione acerca do próprio conceito de democracia. A democracia apresentada pelos professores de Harvard é um regime político calcado em exclusão racial. Segundo eles, os EUA só conseguiram sua democracia plena quando os partidos políticos – Partido Republicano e Partido Democrata – concordaram em retirar da agenda política toda e qualquer discussão acerca da inclusão social dos negros na vida social e política norte-americana, revogando seu direito a voto e relegando essa parcela da população à condição de subcidadão. Eles afirmam - com todas as letras - que quando os partidos políticos entenderam que as questões sociais deveriam ser relegadas a segundo plano e que a política estadunidense deveria se ater exclusivamente a questões econômicas, a democracia plena começou a brilhar.


O interessante é que depois de fazer uma análise bastante acurada do perfil despótico de Trump, o livro vai defender que o sistema político norte-americano já teria alcançado a democracia plena e que a luta agora seria para garantir sua manutenção exatamente como está formatado atualmente. Para os autores, os EUA já alcançaram o sistema ideal de democracia e já identificaram quais as regras formais e informais responsáveis por mantê-la intacta.


Lendo essa obra sem se ter às entrelinhas, ela parece levar ao consenso de que a democracia norte-americana, além de ser um sistema a ser celebrado e copiado, é um regime praticamente perfeito que merece ser preservado. Durante todo o livro, a estrutura narrativa oferecida é a de que aquele sistema é o ideal e que deve ser mantido. Que todos os esforços da sociedade precisam ser realizados com essa intenção. Os escritores recheiam seu livro com dados históricos que servem de exemplo de como as coisas se comportaram no passado e o que, na opinião pessoal deles, deu certo e precisa ser repetido.


Falando assim, em termos genéricos, parece que toda a argumentação oferecida pelos autores é realmente algo a ser elogiado, afinal o que pode ser mais louvável do que defender a manutenção da democracia?

Pois é exatamente aí que está a questão: que democracia?

O conceito abstrato atual de democracia é algo que está no inconsciente coletivo: um regime político em que todas as pessoas possuam voz, direitos e deveres iguais e tratamento isonômico. Não parece haver alguém que acredite que a democracia seja algo muito diferente disso. Obviamente, é possível encontrar algumas alterações nesse conceito, mas não substancialmente.


Assim, quando investigamos o sistema democrático defendido pelos autores, nos deparamos com um regime político que nada se parece com isso. Um regime em que somente os “autorizados” possuem direito à voz. Isso fica bem claro quando os autores colocam os partidos políticos na posição de “guardiões da democracia”.


Na teoria oferecida, é tarefa elementar dos partidos políticos estabelecidos (Republicano e Democrata), barrar outsiders da política nacional. Eles dão exemplos de nomes como Henry Ford, Jesse Jackson, Pat Roberson, Pat Buchanan, Steve Forbes entre outros. Segundo eles, estes outsiders foram mantidos fora da política pelo trabalho eficiente dos “guardiões da democracia”, que atuaram firmemente para mantê-los longe da cadeira presidencial. E eles descrevem essa atuação como longas reuniões - em quartos enfumaçados pela fumaça de charutos - em que os caciques dos partidos deliberavam os nomes que poderiam ou não participar da política norte-americana, de modo a manter qualquer ameaça longe de cargos importantes e, ao fim e ao cabo, preservar a dita democracia.


Essa visão desenhada pelos autores parece dar conta de um movimento muito importante de contenção de ameaças antidemocráticas, mas quando analisamos melhor esse tipo de informação, podemos concluir que esses quartos enfumaçados eram onde os caciques determinavam quem poderia ou não participar do clube dos mais ricos e poderosos. Numa análise superficial, os “guardiões” estariam defendendo a democracia, mas ao conjugarmos essa informação com as outras oferecidas pelo livro, notamos que não era bem a democracia como ideal a ser alcançado que esses “guardiões” guardavam, mas sim seus privilégios políticos, sua capacidade de manejar a seu bel prazer o jogo “democrático”. Desnudando a ginástica argumentativa dos autores, fica bem claro que somente os cidadãos brancos e com vasto patrimônio seriam capazes de exercer o direito a participar e decidir os rumos do país. Analisando bem, talvez o sistema norte-americano se pareça mais com o sistema grego de democracia, em que somente os homens de posse - os cidadãos - poderiam participar. Se esse é o ideal a ser alcançado, então está validada a exclusão racial e étnica da política estadunidense. 


E para corroborar ainda mais essa ideia, os autores alegam, ainda, que o que rompe definitivamente os pilares democráticos é a polarização das ideias. Nesse assunto, eles darão o exemplo ocorrido no período que culminou no fim da escravidão nos EUA. O livro afirma que o regime democrático norte-americano estava se estabelecendo de uma forma satisfatória e era baseado, entre outras coisas, em duas regras não escritas bem delimitadas: respeito mútuo pelos opositores políticos e respeito às instituições. No entanto, quando naquela época o partido republicano passou a encampar a ideia da abolição da escravidão nos Estados do Sul, esse movimento teria abalado as regras não escritas da democracia, possibilitando que os partidários iniciassem embates ideológicos muito difíceis de serem manejados, o que eles chamaram de polarização. Por conta disso, eles alegam expressamente que foi a questão racial que derrubou os pilares democráticos dos EUA, dando espaço, inclusive, à Guerra Civil Americana ocorrida entre 1861 e 1865.


Nesse sentido seguem trechos do próprio livro:

“Várias décadas se passaram até essa busca obstinada pela vitória permanente se acalmar e ceder. As exigências da política cotidiana e da ascensão de uma nova geração de políticos de carreira ajudou a baixar a sanha competitiva. A geração pós-revolucionária se acostumou cada vez mais à ideia de que em política às vezes se ganha, às vezes se perde – e de que rivais não precisam ser inimigos.”

“Contudo, as normas nascentes logo começaram a se esgarçar, por conta de uma questão que os fundadores tinham tentado suprimir: a escravidão. Durante os anos 1850, um conflito cada vez mais aberto sobre o futuro da escravidão polarizou o país, investindo a política do que um historiador chamou de uma nova “intensidade emocional.”

“A polarização sobre a escravidão despedaçou a ainda frágil norma de tolerância mútua.” 

“Aos poucos, contudo, à medida que a geração da guerra civil saía de cena, democratas e republicanos foram aprendendo a conviver. Eles prestaram atenção nas palavras do ex-presidente da Câmara James Blaine, que, em 1880, aconselhou os colegas republicanos a “guardar a camisa ensanguentada” e deslocar o debate para questões econômicas.”

“No entanto, não foi apenas o tempo que cicatrizou as feridas sectárias. A tolerância mútua só se estabeleceu depois que a questão da igualdade racial foi retirada da agenda política.”

“É difícil superestimar a significado trágico desses acontecimentos. Como os direitos civis e de voto eram vistos por muitos democratas sulistas como uma ameaça fundamental, o acordo entre os partidos de abandonar essas questões propiciou uma base para que restaurassem a tolerância mútua. A revogação dos direitos dos afro-americanos preservou a supremacia branca e o domínio do Partido Democrata no Sul, o que ajudou a manter a viabilidade nacional dos democratas. Com a igualdade racial fora da agenda, os medos dos democratas sulistas cederam. Só então a hostilidade sectária começou a diminuir. Paradoxalmente, portanto, as normas que mais tarde serviriam como fundação para a democracia norte-americana emergiram de um arranjo profundamente antidemocrático: a exclusão racial e a consolidação da predominância de um partido único no Sul.”

“Quando o ódio sectário pisoteia o compromisso dos políticos com o espírito da Constituição, o sistema de freios e contrapesos corre o risco de ser subvertido de duas maneiras.”

“As normas que sustentam nosso sistema político repousavam, num grau considerável, em exclusão racial. A estabilidade do período entre o final da Reconstrução e os anos 1980 estava enraizada num pecado original: o Compromisso de 1877 e suas consequências, que permitiram a desdemocratização do Sul e a consolidação das leis de Jim Crow. A exclusão racial contribuiu diretamente para a civilidade e a cooperação partidárias que passaram a caracterizar a política norte-americana no século XX.”
Pois bem, diante dos exemplos acima fica bastante claro o tipo de argumentação utilizada no texto. De modo geral, os autores afirmam que o regime democrático norte-americano anda bem quando somente aqueles homens - brancos, encerrados em quartos enfumaçados - garantem que serão candidatos apenas os políticos que aceitem jogar o jogo pelas regras estabelecidas pelos caciques. Essa é a ideia vendida no livro. 

Não bastasse isso, eles afirmam, também, que a questão racial despedaçou a democracia (e a pergunta que fica é: democracia pra quem?), e que somente quando os políticos concordaram em se ater única e exclusivamente às questões econômicas (que de modo geral, garante que os ricos caciques dos partidos continuem ricos ou aumentem sua própria riqueza por meio da política), é que a democracia voltou a apresentar-se de forma plena.


Toda essa argumentação é facilmente demonstrada num silogismo simples: 


O regime democrático norte-americano somente é possível sem polarização; Tudo o que gera polarização deve ser retirado da agenda política; A questão da exclusão racial gera polarização; Logo, a questão da exclusão racial impossibilita a manutenção do regime-democrático norte-americano, e, por isso, deve ser retida da pauta política. Fim.

Avançando na leitura, nota-se que os autores censuram todos os assuntos que tenham algum tipo de apelo social, já que eles, quando colocados em pauta, podem ocasionar a tão temida polarização e, consequente, a derrubada dos pilares “democráticos”. Assim, conclui-se que a ordem estabelecida nos EUA deve ser mantida a qualquer custo, mesmo que haja problemas sociais de profunda importância como a exclusão racial ou, mais recentemente, os direitos dos imigrantes e não-brancos no país.


Numa análise mais apurada da argumentação do livro, descobrimos que o que os escritores defendem não é a democracia no sentido comum do termo, e sim a institucionalização do regime político vigente hoje. O que interessa não é o bem da sociedade norte-americana, e sim se as instituições que compõem esse regime político de exclusão social e tutela apenas de questões econômicas continuarão a funcionar plenamente a custa do suor e sofrimento da parcela de excluídos. Segundo eles, as instituições que compõem o jogo político norte-americano são muito mais importantes que os pleitos da população.


E isso fica cristalino quando os autores defendem a teoria de que esses debates sociais é que desmontam os sistemas democráticos pelo mundo. Mas isso é feito de uma maneira muito peculiar, pois ao mesmo tempo em que eles repudiam a ascensão de um candidato de extrema-direita como o Trump, eles manejam a narrativa para colocar a “culpa” nos políticos que demonstraram quaisquer inclinações sociais. É quase como se a razão do Trump ter chegado à presidência fosse o fato das pessoas não estarem mais contentes com as injustiças sociais do país, assuntos que jamais deveriam entrar no debate político, que, como salientado, deveria se ater exclusivamente às questões econômicas. O que importa se as pessoas estão passando fome, não possuem acesso à escolas de qualidade ou sistema de saúde? Realmente, são assuntos bem irrelevantes...


Numa relação de causa e efeito, o livro afirma que a ascensão de demagogos como o Trump se daria pelo fato das pessoas questionarem questões sociais que não deveriam entrar no debate político, jamais, a não ser de forma pontual para resolver alguma revolta popular individualizada (como o voto das mulheres ou a Declaração dos Direitos Civis de 1964, que, segundo os autores teriam resolvido completamente o problema da exclusão de gênero e racial dotando o país com uma democracia plena).


Enveredando por esse lado, a narrativa nos leva à conclusão de que a democracia anda bem quando somente as questões econômicas estão em pauta, sem esquecer que são as questões econômicas dos brancos já ricos, e não a situação econômica dos pobres, que devem “fazer-se” por si próprios como dita a boa e velha meritocracia. Eles que se tornem ricos e, a partir daí, tenham suas questões atendidas pela política de viés econômico. Ou seja: Eles que lutem!


É fácil entender o êxito internacional que esse livro tem alcançado. Com a ascensão da extrema-direita no mundo e a maior potência mundial com um presidente que destoa completamente das obrigações e posturas que o cargo exige, todos querem saber a receita de bolo para identificar e barrar essa aberração. Com essa demanda em alta, publicar um livro que busca explicar pormenorizadamente esse movimento é um grande apelo de vendas. Se os escritores são nativos desse país considerado a potência mundial, ainda melhor. Se eles estão alicerçados em uma das mais famosas, elitistas e respeitadas universidades do mundo, está feito: sucesso na certa! O marketing para garantir esse sucesso só precisa da palavra “best-seller” e estar numa das listas de livros mais respeitadas do mundo: a lista de “best-seller” do New York Times. É óbvio que todos cairão como moscas num livro com tais predicados.


E foi nesse clima de “inventaram a roda” que o Como as Democracias Morrem foi lançado. Como um manual de sobrevivência das democracias ameaçadas no mundo.


Não há como negar que o livro possui várias informações, ainda que superficiais, sobre a política norte-americana. Num livro de 272 páginas com letras grandes - e escrito com tamanha pressa - é de se esperar que a análise não fosse a das mais aprofundadas e, por isso, é possível notar aspectos relativamente subavaliados no texto, principalmente os sociais. Os escritores oferecem uma hipótese e a isolam desconsiderando que a sociedade é muito mais complexa do que uma reunião de homens brancos e ricos em salas enfumaçadas. Falar que a exclusão racial foi a base de manutenção da democracia norte-americana (cujas consequências ainda são absurdas para a população afro-americana e, agora, para os imigrantes e não brancos), é realmente declarar que o "EUA-branco" vive numa bolha de privilégios e que o destino das outras pessoas sem rosto pouco importa para a Nação. Como já dito: Eles que lutem!


É de causar desconforto o tom de irrelevância que a análise dos professores de Harvard faz da democracia. É estranho pensar que o regime democrático ideal é aquele que ignora direitos de pessoas, que as deixam resolver seus “pequenos” e “irrelevantes” problemas sociais por meio de migalhas conseguidas com sofrimento e sangue.


Antes do livro oferecer uma resposta, ele aponta dedos para os “caras-maus”. Ele diz quem são os vilões da história, e não é de surpreender-se que os vilões são aqueles que demonstram as mínimas inclinações sociais, mas as mínimas mesmo. O espectro político aventado pelos escritores só pode flutuar por dois caminhos: conservador ou liberal. Qualquer coisa que destoe destas duas posições será considerada antipatriótica, um atentado à liberdade individual do povo estadunidense e uma via perigosa para a dita democracia norte-americana.


Há quem vá defender a ideia do livro achando que é muito boa, afinal de contas, é muito melhor retomar algo ruim conhecido do que tentar melhorar com algo desconhecido. As instituições precisam ser mantidas, as coisas precisam continuar como sempre foram: uma democracia de fachada em que o Estado é usado para o benefício individual dos grandes investidores e proprietários. O Estado fornecendo migalhas para a população continuar calma e anestesiada enquanto é espoliado no que é essencial: sua vida. Aceitar a argumentação desse livro é aceitar que a máquina estatal deve continuar exatamente como está, na mão de homens com dinheiro que usam a política para maximizar seus próprios lucros, calando a população por meio de propaganda, migalhas e repressão. 


Enfim, essa é a história que eles querem vender. É isso que as pessoas estão a engolir. A economia é a base da democracia, o resto é resto e que outros se importem com esse resto, pois a “democracia” precisa ser mantida intacta se atendo somente às questões econômicas. Aplaudir essa obra é aplaudir essa ideia, é aplaudir a exclusão social, a injustiça, o descaso e a violência de Estado, fatores que deveriam ser rechaçados pelos regimes democráticos e, não, apoiados como na obra em questão. Em realidade, mais parece que os escritores estão oferecendo um texto de doutrinação neoliberal com um "quiz" para reconhecer um ditador. Infelizmente, muitos concordam e, talvez por isso, que o mundo esteja o caos que está.
Eis as marcações de "O Tambor" de Günter Grass:

"Quando eu disse para Bruno: "Oh, Bruno, você me compraria quinhentas folhas de papel virgem?", ele, olhando o teto e com o dedo indicador apontado na mesma direção em busca de um termo de referência, replicou: "De papel branco, sr. Oskar?" Insisti na palavrinha "virgem" e pedi a Bruno para dizer exatamente isso na papelaria. Ao fim da tarde, quando voltou com o embrulho, me deu a impressão de estar agitado por seus pensamentos. Várias vezes fitou o teto, de onde costuma retirar inspiração, e finalmente disse: "O senhor me sugeriu a palavra exata; pedi papel virgem e a vendedora enrubesceu intensamente antes de trazê-lo." Temendo longa digressão sobre balconistas de papelaria, me arrependi de ter denominado virgem o papel e fiquei calado, esperando que Bruno deixasse o quarto, e só então abri o embrulho com as quinhentas folhas. Por algum tempo levantei e sopesei o maço resistente. Contei dez folhas e guardei o resto na mesa de cabeceira. Na gaveta, ao lado do álbum de fotografias, encontrei a minha canetatinteiro: está cheia, tinta não é problema; como começarei? Pode-se começar uma história pelo meio e avançar e retroceder, embrulhar ousadamente as coisas. Pode-se ser moderno, eliminar toda e qualquer menção a tempo e distância, e no final proclamar, ou deixar que alguém proclame, que por fim e na última hora se resolveu o problema do espaço-tempo. Pode-se também logo no início afirmar que nos nossos dias é impossível escrever um romance, mas, por assim dizer, dissimuladamente produzir um bem grande, para posar como o último dos romancistas possível. Também me asseguraram que é bom e modesto começar afirmando que um romance já não pode ter herói, porque se acabaram os individualistas, porque a individualidade pertence ao passado, porque o homem — cada homem e todos os homens Igualmente — está só e sem direito à solidão individual e constitui uma massa solitária anônima e sem herói. Tudo isso pode ser verdade. No que diz respeito a mim, Oskar, e a meu enfermeiro Bruno, quero, contudo, deixar claro: somos ambos heróis, heróis bastante diferentes, ele atrás do postigo e eu na frente; e quando ele abre a porta, ambos estamos longe de ser, apesar de toda nossa amizade e solidão, uma massa anônima e sem herói." (pág.15/16)

"Ao contrário de meu avô Joseph, que raramente engolia um traguinho de conhaque, Gregor era um verdadeiro cachaceiro, qualidade que provavelmente herdara de minha bisavó. Não bebia porque estivesse triste. E mesmo quando estava contente, uma situação rara, pois era dado a estados de melancolia, não bebia por estar feliz. Bebia porque era um homem completo, que gostava de chegar ao fundo das coisas: das garrafas, assim como de outras coisas. Enquanto viveu, ninguém viu Gregor Koljaiczek deixar um só pingo no fundo de seu copo." (pág.45)

"Era um moço franzino que caminhava ligeiramente encurvado, com uma bela cara oval, um pouco demasiado suave talvez, e um par de olhos suficientemente azuis para fazer com que mamãe, então com 17 anos, se enamorasse dele. Três vezes Jan tinha sido convocado para o alistamento e sempre fora declarado incapaz por causa de sua deplorável constituição física; isso de fato lança muita luz sobre sua natureza enfermiça, naqueles dias em que qualquer homem que pudesse parar meio ereto era mandado a Verdun para, em solo francês, submeter-se a uma radical mudança de postura, da vertical para a perpétua horizontal." (pág.46)

"A minha entrada, puxado por sua mão, houve risos entre a gentalha e as mães da gentalha. A um moleque gorducho, que queria bater em meu tambor, dei uns bons chutes na canela, para evitar partir vidros; isso o fez cair e dar com a cabeça, desmanchando seu penteado, sobre uma carteira, o que me valeu por parte de mamãe um sopapo na nuca. O pequeno monstro berrou. Eu não: eu só gritava quando alguém tentava me surrupiar o tambor. Mamãe, para quem tal cena fora muito constrangedora, me meteu na primeira carteira da fila junto das janelas. Naturalmente, a carteira era demasiado alta. Para trás, contudo, onde a gentalha era ainda mais sardenta e grosseira, as carteiras eram ainda mais altas." (pág.89)

"É verdade que estive tão absorvido com as atividades pedagógicas de Gretchen Scheffler, tão desgastado entre Goethe e Rasputin, que mesmo com a melhor das intenções não poderia ter achado tempo para a brincadeira do anel ou do escondeesconde. Mas sempre que, como os sábios, voltava as costas aos livros, declarando- os sepulcros das letras, e procurava contato com a gente comum, encontrava o pequeno batalhão de canibais que vivia em nosso edifício e, depois do breve contato com eles, sentia-me realmente feliz ao voltar a salvo a meus livros." (pág.111)

"E ao encostar a dama de copas no rei com o coração vermelho, o edifício não ruiu: mantinha-se de pé, aéreo, sensível e respirando de leve, naquele quarto cheio de mortos que não respiravam e de vivos que continham o alento. Permitiu-nos juntar as mãos e fez o cético Oskar, que contemplava o castelo de cartas como mandam as regras, esquecer a acre fumarada e o fedor que se filtravam lentamente e em espiral pelas fendas da porta do depósito de correspondência e davam a impressão de que aquele quartinho onde se erigia um castelo de cartas confinava diretamente com o inferno." (pág.286)

"Mas, como acontece com todo mundo, em dias em que inoportunos sentimentos de culpa, que nada consegue dissipar, vêm se acomodar em meio aos travesseiros de minha cama de hospital, escudo-me em minha ignorância — ignorância que então virará moda e que ainda hoje muitos dentre nossos cidadãos adotam como se usa um chapéu elegante. Oskar, o astuto ignorante, foi levado na condição de vítima inocente da barbárie polonesa [...]" (pág.291)

"Herzog (vem lentamente pela direita, levando o telefone e o cabo, para muitas vezes e fala ao aparelho): Está dormindo, cabo Lankes? Algo se move em frente a Dora Sete. Não resta a menor dúvida! 
Lankes: São as freiras, meu tenente. 
Herzog: Que significa isso, freiras aqui! E se não forem? 
Lankes: Mas são. Distinguem-se perfeitamente. 
Herzog: E nunca ouviu falar de camuflagem, hein? Quinta-coluna, hein? Faz séculos que os ingleses praticam esse truque. Apresentam-se com a Bíblia e, de repente, bum! 
Lankes: Mas elas estão catando caranguejos, meu tenente. 
Herzog: Limpe imediatamente a praia! Entendido? 
Lankes: Às ordens, meu tenente. Mas não fazem outra coisa senão catar caranguejos. 
Herzog: O senhor vai se plantar imediatamente atrás da metralhadora, cabo Lankes! 
Lankes: Mas se só procuram caranguejos, porque é maré baixa e precisam deles para seu jardim-de-infância... 
Herzog: Ordens superiores! 
Lankes: As suas ordens, meu tenente! (Lankes desaparece dentro da casamata. Herzog sai com o telefone pela direita.) 
Oskar: Roswitha, tape ambos os ouvidos, porque vão atirar, como nos jornais da tela. 
Kitty: Oh, que terrível! Me amarrarei ainda mais. 
Bebra: Eu também suspeito que vamos ouvir algo. 
Felix: Devíamos tornar a ligar o gramofone. Isso atenua muitas coisas! (Põe o gramofone a funcionar. The Platters cantam The Great Pretender. Adaptando-se ao ritmo lento da música que enlanguesce tragicamente, a metralhadora matraqueia. Roswitha tapa os ouvidos. Felix para de cabeça para baixo. Ao fundo, cinco freiras voam com seus guarda-chuvas para o céu. O disco para, se repete; depois, silêncio. Felix planta os pés no chão. Kitty se desamarra. Roswitha apanha rapidamente a toalha com os restos da comida e guarda tudo no cesto de provisões. Oskar e Bebra ajudam-na. Descem todos do teto da casamata. Aparece Lankes à entrada.) 
[...]
No passeio da praia ainda nos aguardava o caminhão blindado. A passos largos, o tenente Herzog foi ter com seus protegidos. Arfante, desculpou-se com Bebra a propósito do pequeno incidente: "Zona proibida é zona proibida", disse. Ajudou as damas a subir ao veículo, deu algumas instruções ao motorista, e empreendemos a viagem de volta a Bavent. Tivemos de nos apressar, com pouco tempo para o almoço, porque para as duas da tarde tínhamos anunciada uma sessão na sala dos cavaleiros daquele gracioso pequeno castelo normando, situado atrás dos alamos à saída do povoado." (pág.401/403)

"Ah, se Maria não tivesse beijado apenas a criança maltratada, retardada, lamentavelmente anormal! Se tivesse sabido reconhecer o pai ferido e em cada ferida o amante! Que consolo, que esposo secreto e verdadeiro eu poderia ter sido para ela no curso dos meses sombrios que se avizinhavam!" (pág.414)

"Dava-me pena vê-la tão pequena ajoelhando debaixo do incenso, do pó e do estuque, dos anjos enrascados, de uma luz mortiça e de santos convulsos, ajoelhada e fazendo pela primeira vez o sinal-da-cruz ao contrário com os dedos ainda desajeitados, em frente, debaixo e em meio a um catolicismo suave e doloroso. E Oskar indicou a Maria, ávida de aprender, como se faz o sinal-da-cruz e onde habitam as Três Entidades — o Pai atrás da testa, o Filho no fundo do peito e o Espírito Santo nas extremidades das clavículas — e como se devem juntar as mãos para conseguir um Amém eficiente; e Maria, obedecendo, deixou suas mãos repousarem no Amém e começou a rezar. A princípio Oskar tentou também rezar por alguns de seus mortos, mas ao implorar ao Senhor que desse a sua Roswitha o descanso eterno e ela tivesse acesso às delícias do Paraíso, enredou- se de tal forma em detalhes de natureza terrestre que acabou por identificar o descanso eterno e as delícias celestiais com um hotel de Paris. De modo que me refugiei no Prefácio, pois este não comporta nenhum compromisso, e disse pelos séculos dos séculos, sursum corda e dignum et justum est — é digno e justo. E com isto me pus a observar Maria de soslaio." (pág.417/418)

"O sr. Matzerath saiu de Dantzig, que então já se chamava Gdansk, a doze de junho de quarenta e cinco, aproximadamente às 11 da manhã. Acompanhavam-no a viúva Maria Matzerath, a quem meu paciente designa como sua ex-amante, e Kurt Matzerath, filho presuntivo de meu paciente. Além disso, parecem ter-se achado no vagão outras 32 pessoas, entre elas quatro freiras franciscanas com hábitos e uma moça com lenço na cabeça, em quem o sr. Oskar Matzerath pretende ter reconhecido uma tal Luzie Rennwand. Em resposta a algumas perguntas minhas, contudo, meu paciente admite que aquela moça se chamava Regina Raeck, o que não o impede de falar a seguir de um rosto triangular anônimo de raposa, que depois volta a chamar de Luzie; de minha parte, continuarei aqui a chamar a referida moça de srta. Regina. Regina Raeck viajava com seus pais, avós e um tio doente, o qual, além de sua família, levava para o oeste um câncer maligno de estômago, falava demais e se apresentou, imediatamente após a saída, como antigo social-democrata." (pág.497)

"Recordando as habilidades de dançarino de Jan Bronski, lancei- me num tango: media duas cabeças menos que a srta. Gertrud e não só me dava conta do aspecto grotesco de nosso acoplamento, como também tendia a acentuá-lo. Ela se deixava conduzir com resignação, e eu, aguentando-a pela traseira com a palma da mão — senti trinta por cento de lã — empurrei a robusta srta. Gertrud, com minha bochecha junto à sua blusa, para trás, seguindo seus passos e solicitando espaço com nossos braços estendidos pela esquerda, de um extremo a outro da pista. A coisa foi melhor do que eu havia me atrevido a esperar. Permiti-me praticar umas evoluções e, sem perder em cima contato com sua blusa, aguentava- me em baixo, ora à direita, ora à esquerda de sua cadeira, que me oferecia apoio, e girava ao seu redor, sem perder nisso essa atitude clássica do tanguista, que tem por objetivo dar a impressão de que a dama vai cair para trás e o cavalheiro que procura tombá-la vai cair sobre ela, e contudo nem ele nem ela caem, porque ambos são excelentes dançarinos." (pág.533)

"Minha segunda tournée artística caiu no Advento. Elaborei, pois, meu programa de acordo e pude registrar os elogios tanto da imprensa católica quanto da protestante. Com efeito, consegui converter alguns velhos pecadores empedernidos em criancinhas que, com vozinhas frágeis e comovidas, cantavam canções natalinas. "Jesus, por ti vivo, Jesus, por ti morro", cantaram duas mil e quinhentas pessoas, que, em idade tão avançada, ninguém suporia capazes de fervor religioso tão infantil. De maneira similar procedi em minha terceira tournée, que caiu nos dias de Carnaval. Em nenhum dos chamados carnavais infantis se teria podido dar um espetáculo tão alegre e espontâneo como nos meus concertos, que transformavam toda vovozinha trêmula e qualquer vovozinho abalado em uma cômica ou ingênua noiva de pirata ou em um capitão de bandoleiros que fazia bangue-bangue." (pág.664)





O Anjo Silencioso - Heinrich Böll - As marcações:

"Ele ouvia com especial nitidez as mulheres com as malas atrás dele: elas mastigavam incansavelmente, parecia-lhe interminável o modo com que mastigavam, primeiro pão, muitos pães, durante um longo tempo, muito longo, ele ouviu aquele mastigar seco de roedores, comendo pão no escuro. Depois algo que era ao mesmo tempo úmido e estalava parecia ser frutas, maças. Finalmente beberam algo: ele ouvia com muita nitidez o gorgolejar quando bebiam da garrafa. Também à direita e à esquerda, atrás e na frente dele todos começaram a comer no escuro, pareciam apenas ter esperado pela escuridão para comer; eram centenas de dentes mordendo, mastigando em segredo, algumas vezes ouviam-se discussões logo abafadas; e esse mastigar múltiplo fixou-se no seu cérebro como o ruído da maldição para a qual ele não tinha nome: comer não era mais uma bela necessidade, mas uma lei sinistra que os obrigava a engolir, engolir a qualquer preço, enquanto sua fome não era satisfeita, mas parecia multiplicar-se: parecia que ofegavam. A comilança durou horas, e quando um dos cantos do abrigo parecia acalmar-se, uma nova leva era pressionada para dentro, de fora, da estação, o lugar ficava cada vez mais apertado, e depois de algum tempo começou de novo aquele ruído de papel, barulho de papelão partido, o remexer apressado de sacos, pacotes, o estalar de fechaduras, e aquele repugnante gorgolejar proveniente de garrafas, às escondidas na escuridão..." (pág. 98/99)

"Todos eles retornavam: o rosto de um cobrador de bonde que lhe tinha vendido um bilhete anos atrás transformou-se no rosto de um soldado deitado num acampamento de doentes ao seu lado: um rapaz de cujo curativo na cabeça os piolhos saíam rolando tanto no sangue fresco quanto no coágulo: piolhos que caminhavam pacificamente por um pescoço, por um rosto desfalecido, viu subirem pelas orelhas, animais destemidos que escorregavam, conseguiam agarrar-se novamente ao ombro, piolhos na orelha do mesmo homem que lhe havia vendido o bilhete para baldeação, há sete anos, 3.000 quilômetros a oeste: um rosto fino e sofredor que fora à época muito vivo e otimista..." (pág. 106/107)

"A perspectiva de receber algo para comer despertou-lhe novamente a fome; ele subia: aquele estranho bocejo violento e vazio, que crispava suas bochechas como se fosse uma cãibra: aquela nuvem de ar, aquele soluço exigente que deixava um gosto ruim na boca e que ao mesmo tempo o enchia de desespero: comer, pensou, é uma necessidade implacável que vai me perseguir por toda a vida; trinta, quarenta anos ainda ele teria que comer diariamente, pelo menos uma vez por dia, milhares de refeições ainda lhe eram destinadas, refeições que ele teria de arranjar de alguma forma: um encadeamento desesperador de necessidades, que o enchia de horror. Naquele dia ele já tinha se arrastado inutilmente por nove horas pelos escombros da cidade sem conseguir nada, nem mesmo aquilo de lhe havia sido prometido. Um combate terrível que ainda teria que combater muitas vezes, e não só para si mesmo; (...)" (pág. 141)
Eis aí um livro que todos deveriam ler e, principalmente, refletir sobre seu significado na nossa sociedade. Quarto de Despejo reproduz os diários de Carolina Maria de Jesus, considerada uma das primeiras escritoras negras do Brasil. Segundo consta, seus livros foram traduzidos para mais de 13 idiomas, alcançando considerável reconhecimento internacional, enquanto que aqui, em seu país, ela não passa de uma ilustre desconhecida.

E digo isso, pois poucos são os brasileiros que conhecem seu nome ou sua obra. Carolina não está nas listas de leitura das escolas públicas, não está nas leituras obrigatórias do vestibular, não está nos livros de história ou nas listas de clássicos nacionais. Seus livros, apesar de editados, estão relegados ao esquecimento editorial.

Não fosse isso já tristeza suficiente, ainda há outros elementos na obra que precisam ser analisados. Quem “descobriu” Carolina foi um jornalista chamado Audálio Dantas, que, em um prefácio/apresentação muito comovente, explica que optou por manter na íntegra os eventuais erros ortográficos encontrados na escrita da autora, segundo ele para preservar fielmente os diários da favelada que estudou apenas até o segundo ano do ensino fundamental.

Enquanto lia o livro fiquei pensando um bom tempo sobre isso. Foi uma escolha interessante, mas bastante excludente na minha opinião, pois normalmente os livros a serem publicados passam por uma revisão, exatamente para corrigir quaisquer erros. Assim, é fato que os textos das outras pessoas, a sua maioria com estudo, também apresentam um número considerável de erros ortográficos, tanto que tem um profissional apenas para isso, certo?

Então qual o motivo para não fazer a mesma correção com o texto da favelada? O que importa no texto é a mensagem, os erros não me dizem nada além do que já sabemos, que Carolina tinha quase nada de estudo. Para mim, essa foi uma escolha que retira de Carolina o mérito da escrita. Olha, o livro é bom, mas foi escrito por uma favelada sem estudo... Essa escolha me deixou muito desconfortável, pois me pareceu um muro intransponível que diz que Carolina está do outro lado. Realmente fiquei com essa engasgada na garganta...

Depois, pesquisando sobre o assunto, descubro que uma estudiosa da obra de Carolina, que teve acesso aos cadernos originais (alguns na França, inclusive), afirma que as obras editadas fazem a escritora parecer mais rasa do que a realidade, com menos conteúdo, mais simplória...

Não bastasse isso, ainda obtive a informação que na época da publicação do Quarto de Despejo não foram poucos os obstáculos a transpor e que o interesse, na verdade, era exaltar uma favelada que escrevia e não o reconhecimento de uma escritora na favela.

Enfim, não foi pouco o meu descontentamento com a escolha de Audálio, e dos demais editores, que do alto de seus palanques, miraram seus refletores em algo com potencial para divertir a classe média. Uma pena que ao ler os diários de Carolina, eu só tenha conseguido intensificar meu descontentamento com a descoberta que muito pouco – ou nada – mudou. Essa escolha, aparentemente inofensiva, de preservar os erros ortográficos somente consolida minha ausência de fé na sociedade. Não há interesse na mudança e, por isso, muito pouco mudará!

Hoje, a única coisa que posso desejar é que mais pessoas tenham acesso a essa obra incrível, e que mais pessoas consigam ler nas entrelinhas o que está escrito em letras garrafais...  



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Esta aí uma das coisas mais belas que eu já ouvi... 

Sergei Vasilievich Rachmaninoff foi um compositor, pianista e maestro russo, nascido em 1º de abril de 1873 na cidade de Semyonovo, noroeste russo, que - por puro merecimento - entrou para a galeria dos últimos grandes expoentes do estilo romântico da música clássica europeia.

Para os pianistas, tocar as obras de Rachmaninoff é uma verdadeira odisseia. Com trejeitos únicos e mãos enormes capazes de executar movimentos que muitos nem conseguem imaginar, suas composições fizeram história e admiradores pelo largo das décadas.

Sua vida foi a música, uma amiga devotada, uma amante inseparável... tanto é assim, que reza a lenda que nos momentos finais antes de sua morte, em 20 de março de 1943, Rachmaninoff insistia em afirmar que podia ouvir música tocando em algum lugar por perto, enquanto os presentes lhe asseguravam que não era o caso. Convencido, por fim ele declarou: "então a música está na minha cabeça!". E devia mesmo estar, pois após uma vida dedicada à música, não seria justo ser por ela abandonado logo em seu leito de morte.

Agora, imagine-se em um dia qualquer da sua vida, em uma viagem qualquer, satisfeito da vida... de repente, não mais que de repente, você acaba entrando - por pura curiosidade - em uma sala e se sentando em uma plateia bem intimista, poucas cadeiras, poucas pessoas, porta fechada, seu amor, um piano e um pianista... 

É tudo surpresa: em uma ruela escondida um grande espetáculo! Você sentado e essa música ressoando pela sala... Êxtase de satisfação... Foi assim que me apaixonei pelo Etude-Tableau in D minor, Op.33 Nº 4. Numa tarde qualquer, em uma rua qualquer de uma linda cidade qualquer... 

Um raro momento no paraíso...

Feche os olhos e aproveite!!!

O "Fuga do Campo 14" é um livro de digestão lenta, sofrida. Não é fácil entrar em contato com tanto sofrimento e sair ileso, até por não ser esta a proposta do livro, que é a denúncia. Blaine HHHHHHHkfdaslfçkaarden, o jornalista-escritor, quis revelar ao mundo os horrores escondidos dentro das fronteiras da Coréia do Norte, o Campo de Trabalhos Forçados nº 14, o qual, por acaso, a Coréia alega não existir.

Blaine, como correspondente de jornais norte-americanos na Ásia, entrou em contato com Shin Dong Hyuk, o único fugitivo do Campo 14 a que se tem notícia. Depois de várias entrevistas, conversas e encontros, Blaine escreveu, em forma de relato, um livro com as memórias sofridas de um fugitivo e informações chocantes sobre um país inacreditável.

Talvez aqui no Brasil nós não tenhamos noção do estardalhaço que esse pequeno livro fez no mundo, mas foi grande... e importante. Imagine que esse livro serviu de prova-chave num processo da ONU contra violações dos direitos humanos na Coréia do Norte. Após o processo, a própria Coréia foi impelida a gravar um vídeo-resposta desacreditando Shin como testemunha. Meses depois, o próprio Shin fez algumas declarações contundentes sobre o livro, enfim... A coisa foi longa e cheia de reviravoltas, muitas pessoas e interesses envolvidos, uma loucura. No entanto, não darei aqui maiores informações, pois considero que elas são muito mais impactantes depois da leitura do Fuga do Campo 14 (Para quem já leu, fiz um vídeo sobre isso... link aqui).

De qualquer maneira, o livro é um soco no estômago, é algo que nos faz repensar nosso lugar enquanto membros de uma sociedade livre e, aparentemente, igualitária. A Coréia do Norte é a ditadura mais fechada a que se tem notícia, e do pouco que sabemos dela, podemos pensar que são descrições de algum livro de distopia ou algo do gênero, só que não...

Depois da leitura do Fuga do Campo 14, consegui levantar várias questões e, até mesmo, repensar minha relação com os livros de não-ficção. De um modo geral, acho que é um livro importante e que deve ser lido, mas deixando bem claro que não se deve parar somente em suas poucas páginas, pois este é um livro que abalou diversas nações e, por isso, tem o mérito de nos fazer pensar sobre o papel dos livros no mundo.

Eu recomendo a leitura na tentativa de abrir a discussão sobre o que lemos, e o porquê de o lermos. Enfim, fica aqui minha dica de um livro necessário à nossa formação de leitores de não-ficção. E para quem já leu e quiser conversar, estarei aqui aberta à discussão...

Até!






Eis as marcações que fiz no Kindle:

O ato e o fato: O som e a fúria do que se viu no Golpe de 1964 (CONY, Carlos Heitor)


princípio ou para que fins estão conspurcando a dignidade humana com prisões e punições idiotas e violentas. Os antigos
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Pois no Brasil de 1964 não se respeita nada. Cassam mandatos sem que os réus tenham a oportunidade de abrir a boca.
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Quem estiver nessa mesma situação que faça também o que seja possível. Se possível, faça o impossível. Cruzar os braços e fechar a boca pode ser cômodo, mas não será com os braços cruzados e as bocas fechadas que vamos fazer retornar aos quartéis os militares que se assanharam em invadir o país.
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Já se fala em eleições indiretas — o que é uma forma direta de indiretamente anunciar que não haverá eleição.
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Não tenho dúvidas em considerar tal atitude como uma prova de sabujice nacional diante dos Estados Unidos. Fazemos o jogo, não da parte sadia da grande nação do Norte, mas de sua parte corrupta e retrógrada, de sua parte mais sanguinária e cruel. Todos sabemos que o problema cubano é, para os Estados Unidos, um elemento precioso para a manutenção e solidificação de um Estado militarista.
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O Brasil agora é dos velhos, dos homens nostálgicos do ancien régime, que consideram subversão o fato de o trabalhador ter direito às férias, a um salário decente, a uma aposentadoria, a uma relativa liberdade.
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E ficam assim muitas coisas explicadas. Explica-se por que pessoas antes tão comedidas hoje se intitulam santamente de revolucionárias — qualificação que até há pouco evocava-nos as figuras de Danton, Bolívar, Tiradentes, Byron ou Malraux.
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Enfim, o pronunciamento do ministro da Guerra teve um mérito: revelou publicamente o despreparo do grupo, poderoso em armas e débil em ideias, que tomou conta do governo e já não sabe o que fazer com o próprio governo.
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Um preso disse, há dias, para a filha que lhe foi fazer visita: “Isso é um minuto na História, minha filha, não chore por tão pouco!” A moça continuou chorando. É que o minuto está custando a passar. E quando um povo começa a chorar é sinal que desse pranto nascerão gigantes que tornarão insignificantes o minuto e os pigmeus que nos oprimem e mutilam.
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Analisemos os fatos. As influências dos grupos econômicos estrangeiros já passaram seus recibos com firmas reconhecidas. Acredito que muitos inocentes que foram para a rua lutar contra o sr. João Goulart ignoravam que, no fundo, aquilo tudo fora previsto, combinado e subvencionado por grupos preocupados em dar segurança aos investimentos — metáfora que arranjaram para designar a intromissão em nossos assuntos internos.
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Se me perguntarem o que de pior aconteceu no Brasil em seus quatrocentos e tantos anos de vida, eu diria sem receio: o Ato Institucional assinado pelos ministros militares em abril de 1964. Pior pelo que realmente trouxe: a tirania, a supressão do Estado jurídico, a idiotice generalizada. Mas o pior, realmente, não chegou a ser isso. Nunca um governo usou de tanta força, manietou tanto um povo, avocou a si mesmo tanta responsabilidade. E para quê? Para promover reformas básicas? Para melhorar o nível econômico do país? Para libertar a nossa economia do jugo internacional? Para criar novas fontes de produção? Para alfabetizar o povo? Nada disso. Toda a força foi acumulada, toda a aberração jurídica foi perpetrada apenas para as caças, as perseguições, as mesquinharias, o saciar dos ódios. Durante todo esse tempo, o governo poderia impor ao Congresso uma reforma agrária, ou uma reforma administrativa ou bancária, medidas essas que o próprio sr. Castelo Branco foi obrigado a admitir como necessárias. Mas nada disso foi feito. Usou-se a força tão somente para intimidar o Congresso e o povo e, através do pânico, arrancar punições e castigos para os inimigos pessoais ou políticos dos homens que subiram ao poder.
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Como se não bastassem os males que já temos, o marechal Taurino de Resende[24] arranjou, por conta própria, mais um pesadelo para toda a nação: ameaça cassar a Justiça Civil, banindo-a de nossa estrutura estatal. De acordo com o marechal, somente a Justiça Militar tem meios e moral bastantes para investigar e punir os culpados.

Eis as marcações que fiz no Kindle:

A Arte de Escrever (Schopenhauer, Arthur)


Assim como as atividades de ler e aprender, quando em excesso, são prejudiciais ao pensamento próprio, as de escrever e ensinar em demasia também desacostumam os homens da clareza e profundidade do saber e da compreensão, uma vez que não lhes sobra tempo para obtê-los.
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Quando lemos por erudição, aprendemos fatos. Quando lemos para compreender, aprendemos o significado deles, também.
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Ser um bom leitor, muitas vezes significa a quantidade, raramente a qualidade do que se lê. Não foi só o pessimista e misantropo Schopenhauer que investiu contra o excesso de leitura, por achar que, na grande maioria, os homens lêem passivamente e se saturam com doses tóxicas de erudição não-assimilada. Bacon e Hobbes pensavam assim também. Hobbes dizia: "Se eu lesse como muitos homens o fazem" – ele queria dizer “se lesse tão mal" – "seria tão sem inteligência quanto eles.” Bacon achava que, "entre os livros, há os que merecem ser provados, há os que merecem ser engolidos e há uns poucos que merecem ser mastigados e digeridos". A idéia que persiste é a existência de várias espécies de leitura, apropriadas às várias espécies de literatura.
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mas não adianta que nossos antecessores nos dirijam a palavra, se não sabemos ouvi-los.
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Mas suponha-se que pudéssemos ressuscitar os professores-primários de todos os tempos. Suponha-se que existisse um. colégio ou universidade em que o corpo docente fosse assim constituído. Heródoto e Tucidides ensinavam Historia da Grécia e Gíbbon falava sobre a decadência de Roma. Platão e São Tomas davam, juntos, um curso de Metafísica. Francis Bacon e John Stuart Mill discutiam a lógica da Ciência; Aristóteles e Emanuel Kant abordavam os problemas morais. Thomas Hobbes e John Locke falavam sobre Política. As lições de Matemática eram dadas por Euclides, Descartes, Riemann e Cantor, com Bertrand Russel e A. N. Whitehead de contra-peso. Podia-se ouvir São Agostinho e Wi1liam James falarem da natureza do homem e da inteligência e Jacques Maritain a comentar as aulas. Harvey discutia a circulação do sangue e Galeno, Claude Bernard e Haldane ensinavam Fisiologia geral. As aulas de Física se adaptavam ao talento de Galileu e Newton Faraday e Maxwell, Planck e Einstein. Boyle, Dalton, Lavoisier e Pasteur ensinavam Química. Darwin e Mendel davam as principais noções de Evolução e Genética, com palestras suplementares por Bateson e T. H. Morgan. Aristóteles, Sir Philip Sidney, Wordsworth e Shelley tratavam da natureza da Poesia e dos princípios da Crítica literária, ajudados por T. S. Eliot. As aulas de Economia estavam aos cuidados de Adam Smith, Ricardo, Karl Marx e Mar hall. Boas discutia as raças e sub-raças humanas, Thorstein Veblen e John Dewey, os problemas econômicos e políticos da democracia americana e Lenine dava aulas de comunismo. Etienne Gilson analisava a historia da Filosofia e Poinearé e Duhem, a história da Ciência. Havia lições de arte por Leonardo da Vinci e um estudo sobre Leonardo, por Freud. Hobbes e Locke tratavam do uso e do abuso das palavras, referindo-se a Ogden e Richards, Korzybski e Stuart Chase. Podia-se imaginar um corpo docente muito mais vasto do que esse, mas fiquemos por aqui.
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Quem procura o atalho mais curto, vai acabar num paraíso de idiotas – com uma imbecilidade ignorantemente culta e um eterno pedantismo.
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Nos primeiros capítulos, viram a necessidade de separar e interpretar palavras e sentenças importantes.
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Será de mais pedir que um aluno seja capaz de ler um livro inteiro, e não um parágrafo só, e não só repetir o que estiver escrito, mas mostrar uma compreensão cada vez maior do assunto que está sendo discutido? Será de mais pretender que os colégios exercitem seus alunos, não só em interpretar, mas em criticar também; isto é, em discriminar o que e verdadeiro do que é falso ou errado, em suspender o julgamento se não se convencerem, ou em julgar com a razão, se concordam ou discordam? Não
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Em seu liberalismo falso, os educadores progressistas confundiram disciplina com regime, esquecendo-se de que não existe liberdade verdadeira sem que a inteligências tenha se libertado pela disciplina.
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A verdadeira liberdade e intelectual; repousa no poder educado do pensamento." Uma inteligência disciplinada, baseada no poder do pensamento, é a que lê e escreve criti-ca1uente, e faz um trabalho eficiente de descoberta. A arte de pensar, como vimos, ó a arte de aprender pelo ensino ou pela pesquisa, sem auxílio de fora.
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Nunca me cansei de citar-lhes John Dewey. Faz tempo já que ele disse: “A disciplina que e igual ao poder educado e, também, igual à liberdade... A verdadeira liberdade e intelectual; repousa no poder educado do pensamento." Uma inteligência disciplinada, baseada no poder do pensamento, é a que lê e escreve criti-ca1uente, e faz um trabalho eficiente de descoberta. A arte de pensar, como vimos, ó a arte de aprender pelo ensino ou pela pesquisa, sem auxílio de fora.
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Não estou dizendo, repito, que a essência da educação esteja em saber ler e aprender nos livros. É possível realizar inteligentemente uma pesquisa. Além do que, pode-se ser bem informado em todos os setores de fatos que constituem uma base necessária para o pensamento. Não há razão para que não se façam todas essas coisas, no tempo de aulas à nossa disposição. Mas, tendo que escolher entre elas, o primeiro lugar será sempre das habilidades fundamentais, enquanto que a erudição de qualquer espécie ocupará o segundo. Aqueles que fazem a escolha contrária devem considerar a educação como um amontoado de fatos que a pessoa adquire no colégio e procura carregar, durante o resto da vida, embora a bagagem se torne mais pesada, a medida em que se revela cada vez mais inútil.
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Os colégios só educam, se nos capacitam a continuar aprendendo sempre.
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A Arte de Ler (Mortimer J. Adler)
- Seu destaque ou posição 1082-1083 | Adicionado: sexta-feira, 11 de setembro de 2015 09:12:59

Quando os homens são incapazes de ler e de escrever, parece que sua incompetência se revela na crítica exagerada que fazem das obras alheias. Um psicanalista entenderia isto como uma projeção patológica dos próprios defeitos em outra pessoa.
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Quando os homens são incapazes de ler e de escrever, parece que sua incompetência se revela na crítica exagerada que fazem das obras alheias. Um psicanalista entenderia isto como uma projeção patológica dos próprios defeitos em outra pessoa. Quanto menos somos capazes de empregar inteligentemente as palavras, mais reprovamos, nos outros, sua linguagem ininteligível.
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existisse um. colégio ou universidade em que o corpo docente fosse assim constituído. Heródoto e Tucidides ensinavam Historia da Grécia e Gíbbon falava sobre a decadência de Roma. Platão e São Tomas davam, juntos, um curso de Metafísica. Francis Bacon e John Stuart Mill discutiam a lógica da Ciência; Aristóteles e Emanuel Kant abordavam os problemas morais. Thomas Hobbes e John Locke falavam sobre Política.
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As lições de Matemática eram dadas por Euclides, Descartes, Riemann e Cantor, com Bertrand Russel e A. N. Whitehead de contra-peso. Podia-se ouvir São Agostinho e Wi1liam James falarem da natureza do homem e da inteligência e Jacques Maritain a comentar as aulas. Harvey discutia a circulação do sangue e Galeno, Claude Bernard e Haldane ensinavam Fisiologia geral. As aulas de Física se adaptavam ao talento de Galileu e Newton Faraday e Maxwell, Planck e Einstein. Boyle, Dalton, Lavoisier e Pasteur ensinavam Química. Darwin e Mendel davam as principais noções de Evolução e Genética, com palestras suplementares por Bateson e T. H. Morgan. Aristóteles, Sir Philip Sidney, Wordsworth e Shelley tratavam da natureza da Poesia e dos princípios da Crítica literária, ajudados por T. S. Eliot. As aulas de Economia estavam aos cuidados de Adam Smith, Ricardo, Karl Marx e Mar hall. Boas discutia as raças e sub-raças humanas, Thorstein Veblen e John Dewey, os problemas econômicos e políticos da democracia americana e Lenine dava aulas de comunismo. Etienne Gilson analisava a historia da Filosofia e Poinearé e Duhem, a história da Ciência. Havia lições de arte por Leonardo da Vinci e um estudo sobre Leonardo, por Freud. Hobbes e Locke tratavam do uso e do abuso das palavras, referindo-se a Ogden e Richards, Korzybski e Stuart Chase. Podia-se imaginar um corpo docente muito mais vasto do que esse, mas fiquemos por aqui.
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O que era olhado como atividade extracurricular passou para o centro do palco, e as matérias básicas do currículo se amontoam, de qualquer modo, nos bastidores, para serem guardadas ou jogadas no liso. Nesse processo, iniciado pelo sistema eletivo e completado pelos excessos da educação progressiva, as disciplinas intelectuais básicas foram atiradas a um canto ou inteiramente fora do palco. Em seu liberalismo
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O que era olhado como atividade extracurricular passou para o centro do palco, e as matérias básicas do currículo se amontoam, de qualquer modo, nos bastidores, para serem guardadas ou jogadas no liso. Nesse processo, iniciado pelo sistema eletivo e completado pelos excessos da educação progressiva, as disciplinas intelectuais básicas foram atiradas a um canto ou inteiramente fora do palco. Em seu liberalismo falso, os educadores progressistas confundiram disciplina com regime, esquecendo-se de que não existe liberdade verdadeira sem que a inteligências tenha se libertado pela disciplina.
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Mas, dirão, estamos vivendo numa era democrática. É mais importante que muitos homens saibam ler um pouco, do que poucos ler muito. Há alguma verdade nisso, mas não toda a verdade. A participação real nos processos democráticos de autodeterminação exige maior cultura, do que a que vem sendo dada à maioria.
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Confundem a autoridade que não é senão a voz da razão, com autocracia ou tirania.
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Como muitos de nós, não sabem o que significa docilidade. Ser dócil é ser maleável. E, para isso, a pessoa tem de possuir a arte de aprender e praticá-la ativamente. Quanto mais ativa é uma pessoa ao aprender com um professor, morto ou vivo, e quanto mais arte utiliza quem ensina, tanto mais dócil é essa pessoa. A docilidade, em suma, é o posto de passividade e credulidade. Aqueles que perdem a docilidade – os alunos que dormem durante as aulas – são os mais fáceis de serem doutrinados. Perdendo a arte de aprender, seja ela habilidade de ouvir ou ler, não sabem como ser ativos, ao receber o que lhes é comunicado. Dai, ou eles não recebem nada, absolutamente, ou o que recebem, absorvem sem criticar. Desprezando os três R no começo e as artes liberais quase completamente, no fim, nossa educação contemporânea é, essencialmente, antiliberal. Nossos alunos são alimentados com todas as espécies de preconceitos locais e papas mastigadas. Engordados assim, são como um trapo nas mãos dos demagogos. Sua resistência à autoridade superficial, que nada mais É do que a imposição de uma opinião, diminuiu. Eles chegarão até a acreditar na propaganda insidiosa dos cabeçalhos de certos jornais. Mesmo quando as doutrinas que impõem são democráticas, os colégios não cultivam o julgamento livre, porque abandonaram a disciplina. Deixam os alunos inermes diante da doutrinação oposta de oradores mais poderosos ou, o que é pior, diante do domínio de suas más paixões. Nossa educação é mais demagógica do que democrática. O aluno que não aprendeu a pensar criticamente, que não foi levado a respeitar a razão como único árbitro da verdade nas generalizações humanas, que não foi conduzido para fora dos becos-sem-saída das gírias e senhas locais, não será salvo pelo orador da sala de aula. Mas sucumbirá diante do orador da praça pública ou da imprensa. Para nos salvarmos, devemos seguir o preceito do Book of Common Player: “Leia, grave, aprenda e assimile interiormente.”
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Quem não se ajuda, não pode aprender a ler nem adquirir habilidades que com isso se relacionem.
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Lippmann, que fez um curso brilhante em Harvard, atribuiu seu espanto ao fato de nunca ter desafiado os modelos de sua geração. Diga-se em seu abono, entretanto, que, desde que deixou Harvard, leu muitos grandes livros. Isso tem certo peso em sua observação: “Comecei a pensar que era muito significativo que homens assim educados tivessem fundado nossas literaturas, e que nós, que não somos educados desse modo, as estejamos malbaratando, com risco de perdê-las. Passei. aos poucos, a acreditar que esse fato e a chave para o enigma de nossa época, e que os homens estão deixando de ser livres, porque não estão sendo educados nas artes dos homens livres.” Percebem por que razão acho que a leitura tem dinamite, não apenas para destruir o sistema escolar, mas para garantir a proteção de nossas liberdades?
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O sinal mais evidente de que realizaram o trabalho de ler é o cansaço. A leitura-leitura produz uma atividade mental intensa. Se vocês não ficam cansados, é provável que não tenham realizado esse trabalho. Longe de ser passiva e frouxa, sempre julguei a leitura, por mais insignificante que fosse, uma ocupação árdua e ativa.
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O sinal mais evidente de que realizaram o trabalho de ler é o cansaço. A leitura-leitura produz uma atividade mental intensa. Se vocês não ficam cansados, é provável que não tenham realizado esse trabalho. Longe de ser passiva e frouxa, sempre julguei a leitura, por mais insignificante que fosse, uma ocupação árdua e ativa. Freqüentemente, não consigo ler mais do que umas poucas horas de cada vez, e é raro que leia muito nesse tempo. É, para mim, um trabalho difícil e vagaroso. Pode haver pessoas que leiam rapidamente e bem, mas eu não sou delas. A questão de velocidade não se discute. listou certo de que é um assunto em que os indivíduos diferem. O que se discute é a atividade. A mente não se nutre com uma leitura passiva. Torna-se mata-borrão.
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Daí, outro sinal pelo qual vocês podem saber se estão realizando o trabalho de ler. Não só se cansam, como revelarão de algum modo sua atividade mental. Em geral o pensamento se exprime, abertamente, pela linguagem. Os homens tendem a verbalizar as idéias, dúvidas, dificuldades, raciocínios que ocorrem no curso do pensamento. Se vocês estiverem lendo, na certa que pensaram; há alguma coisa que podem exprimir em palavras.
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Se são como muitos leitores que conheço, não deram atenção nenhuma ao Índice, ou, quando muito, passaram os olhos por ele. Mas os Índices são como os mapas. Tão úteis na primeira leitura de um livro, quanto um guia de ruas em lugares estranhos.
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Por outras palavras, tem-se primeiro que compreender um livro, para depois, julgá-lo. Coisas inteiramente distintas, como se ha de ver.
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Assim, lia três leituras distintas, que podem ser denominadas e descritas como se segue: I. A primeira leitura pode ser chamada estrutural ou analítica. O leitor procede do todo para as partes. II. A segunda leitura pode ser chamada interpretativa ou sintética. O leitor procede das partes para o todo. III. A terceira leitura pode ser chamada crítica ou avaliadora. O leitor julga o autor, e vê se concorda ou não com ele.
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Talvez seja útil dar um exemplo de anotação. Se eu estivesse lendo os primeiros capítulos deste livro, poderia fazer o seguinte diagrama para esclarecer os significados de “ler” e "aprender", e para relacioná-los um com o outro e com outras coisas: Tipos de leitura:   I – Para divertimento. II – Para conhecimento. A – Para aprender. B – Para compreender. Tipos de aprendizado:   I – Pela descoberta: sem professores. II – Pelo ensino: com professores. A – Por professores vivos: aulas: ouvindo. B – Por professores mortos: livros: lendo.   Portanto a Leitura II (A e B) é igual ao Aprendizado II (B) Mas os livros também são de tipos diferentes: Tipos de livros:   I – Resumos e repetições de outros livros. II – Comunicações originais. E conclui-se que:   A Leitura II (A) se refere mais intimamente aos Livros I. A Leitura II (B) se refere mais intimamente aos livros II.
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A Arte de Ler (Mortimer J. Adler)
- Seu destaque ou posição 1536-1537 | Adicionado: quinta-feira, 22 de outubro de 2015 09:27:55

Já viram três das quatro regras para a segunda leitura: 1) descobrir e interpretar as palavras importantes do livro; 2) fazer o mesmo para as sentenças importantes e 3) para os parágrafos que exprimem argumentos.
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Para realizar a primeira leitura, é preciso saber: 1) que tipo de livro se lê, isto e, qual o assunto dele; 2) o que o livro, como um todo, procura dizer; 3) em quantas partes esse todo se divide e 4) dos problemas principais, quais são os que o autor está procurando resolver.
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As regras da terceira leitura indicam quais as observações a serem feitas e como fazê-las. Neste capítulo,
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A última etapa, na primeira leitura, é definir o problema ou problemas que o autor procura resolver. A última etapa na segunda leitura, é saber se o autor resolveu ou não esses problemas, ou quais foram os que ele resolveu. Assim vocês vêem de que modo essas duas primeiras leituras se relacionam, convergindo na etapa final.
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Pegam o livro e logo começam a mostrar os defeitos dele. Estilo cheios de opiniões, e o livro é apenas um pretexto para exprimi-las. Não deviam ser chamados “leitores”. São como muitas pessoas que vocês conhecem, que acham que conversar é falar e, nunca, ouvir. Essas pessoas não merecem o esforço que se faz falando com elas, e, muitas vezes, nem merecem ser ouvidas.
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Conheci muitos “leitores” que fazem, primeiro, a terceira leitura. Pior do que isso, nunca chegam a fazer as duas primeiras. Pegam o livro e logo começam a mostrar os defeitos dele. Estilo cheios de opiniões, e o livro é apenas um pretexto para exprimi-las. Não deviam ser chamados “leitores”. São como muitas pessoas que vocês conhecem, que acham que conversar é falar e, nunca, ouvir. Essas pessoas não merecem o esforço que se faz falando com elas, e, muitas vezes, nem merecem ser ouvidas.
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São como muitas pessoas que vocês conhecem, que acham que conversar é falar e, nunca, ouvir. Essas pessoas não merecem o esforço que se faz falando com elas, e, muitas vezes, nem merecem ser ouvidas.
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Conheci muitos “leitores” que fazem, primeiro, a terceira leitura. Pior do que isso, nunca chegam a fazer as duas primeiras. Pegam o livro e logo começam a mostrar os defeitos dele. Estilo cheios de opiniões, e o livro é apenas um pretexto para exprimi-las. Não deviam ser chamados “leitores”. São como muitas pessoas que vocês conhecem, que acham que conversar é falar e, nunca, ouvir. Essas pessoas não merecem o esforço que se faz falando com elas, e, muitas vezes, nem merecem ser ouvidas.
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Podem tentar ler os Federalíst Papers, sem terem lido os Artigos da Confederação e a Constituição. Ou podem ler tudo isso, sem terem lido o Espírito das Leis de Montesquieu, o Contrato Social de Rousseau ou o ensaio de Locke Sobre o Governo Civil.


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