Eis aí um livro que todos deveriam ler e, principalmente,
refletir sobre seu significado na nossa sociedade. Quarto de Despejo reproduz
os diários de Carolina Maria de Jesus, considerada uma das primeiras escritoras
negras do Brasil. Segundo consta, seus livros foram traduzidos para mais de 13
idiomas, alcançando considerável reconhecimento internacional, enquanto que
aqui, em seu país, ela não passa de uma ilustre desconhecida.
E digo isso, pois poucos são os brasileiros que conhecem seu
nome ou sua obra. Carolina não está nas listas de leitura das escolas públicas,
não está nas leituras obrigatórias do vestibular, não está nos livros de
história ou nas listas de clássicos nacionais. Seus livros, apesar de editados,
estão relegados ao esquecimento editorial.
Não fosse isso já tristeza suficiente, ainda há outros
elementos na obra que precisam ser analisados. Quem “descobriu” Carolina foi um
jornalista chamado Audálio Dantas, que, em um prefácio/apresentação muito
comovente, explica que optou por manter na íntegra os eventuais erros
ortográficos encontrados na escrita da autora, segundo ele para preservar
fielmente os diários da favelada que estudou apenas até o segundo ano do ensino
fundamental.
Enquanto lia o livro fiquei pensando um bom tempo sobre
isso. Foi uma escolha interessante, mas bastante excludente na minha opinião,
pois normalmente os livros a serem publicados passam por uma revisão,
exatamente para corrigir quaisquer erros. Assim, é fato que os textos das
outras pessoas, a sua maioria com estudo, também apresentam um número
considerável de erros ortográficos, tanto que tem um profissional apenas para
isso, certo?
Então qual o motivo para não fazer a mesma correção com o
texto da favelada? O que importa no texto é a mensagem, os erros não me dizem
nada além do que já sabemos, que Carolina tinha quase nada de estudo. Para mim,
essa foi uma escolha que retira de Carolina o mérito da escrita. Olha, o livro
é bom, mas foi escrito por uma favelada sem estudo... Essa escolha me deixou
muito desconfortável, pois me pareceu um muro intransponível que diz que
Carolina está do outro lado. Realmente fiquei com essa engasgada na garganta...
Depois, pesquisando sobre o assunto, descubro que uma
estudiosa da obra de Carolina, que teve acesso aos cadernos originais (alguns
na França, inclusive), afirma que as obras editadas fazem a escritora parecer mais
rasa do que a realidade, com menos conteúdo, mais simplória...
Não bastasse isso, ainda obtive a informação que na época da
publicação do Quarto de Despejo não foram poucos os obstáculos a transpor e que
o interesse, na verdade, era exaltar uma favelada que escrevia e não o reconhecimento de
uma escritora na favela.
Enfim, não foi pouco o meu descontentamento com a escolha de
Audálio, e dos demais editores, que do alto de seus palanques, miraram seus
refletores em algo com potencial para divertir a classe média. Uma pena que ao
ler os diários de Carolina, eu só tenha conseguido intensificar meu descontentamento
com a descoberta que muito pouco – ou nada – mudou. Essa escolha, aparentemente inofensiva, de preservar os
erros ortográficos somente consolida minha ausência de fé na sociedade. Não há
interesse na mudança e, por isso, muito pouco mudará!
Hoje, a única coisa que posso desejar é que mais pessoas
tenham acesso a essa obra incrível, e que mais pessoas consigam ler nas
entrelinhas o que está escrito em letras garrafais...
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Eu tinha 14 anos quando esse livro fez sucesso e a mídia da época publicava muito sobre a autora. Só li a obra quando estudava o Curso Colegial Clássico. Na época não lhe dei muita importância. Mais tarde, já advogado, reli-o e vi o quanto eu estava enganado. Ela retratou um mundo fora da literatura brasileira. Soube que ela ficou "rica" com a publicação do livro. Mas, assim o dinheiro acabou, e ela voltou a catar papéis ...
ResponderExcluirOi, então, quando vc fala na correção voce erra grotescamente, eu entendo que independente se corrigir as verdades de Carolina não serão apagadas, pois bem, Stuart Hall fala muito bem sobre esta construção e ao ler sua vasta obra vemos que se apagar os erros de gramática apagamos sua identidade. Fora esta questão lhe falta estudo sobre a escrita de si, autobiografia e a sensibilidade.
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