"Entre Aspas" #2 (Clarice Lispector)

"Em suma, eles se entendiam, os membros de sua família; e entendiam-se à sua custa. Fora de se entenderem à sua custa, desentendiam-se permanentemente, mas como nova forma de dançar uma quadrilha: mesmo quando se desentendiam, sentia que eles estavam submissos às regras de um jogo, como se tivessem concordado em se desentenderem." Felicidade Clandestina (Clarice Lispector)

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Sonderkommando - No Inferno das Câmaras de Gás (Shlomo Venezia)


Acho muito complicado falar sobre obras de não-ficção. Nelas não há espaço para divagações. É um pedaço da História encerrado em folhas de papel. Alguns desses pedaços são mais fáceis de serem digeridos, outros não... descem rasgando, destruindo ilusões pelo caminho.

Sonderkommando – No Inferno das Câmaras de Gás está no segundo grupo, é o depoimento de um dos sobreviventes do Holocausto. Shlomo Venezia (1923 – 2012), foi um dos muitos judeus perseguidos pelo nazismo. Filho de uma família pobre da comunidade judaica italiana de Salônica, ele aprendeu cedo que sua sobrevivência dependia unicamente da sua própria capacidade de adaptação.

Levado para Auschwitz-Birkenau aos 21 anos, Venezia logo foi destacado para fazer parte da equipe encarregada de esvaziar as câmaras de gás e cremar os corpos das vítimas do Holocausto, o Sonderkommando (comando especial).

Já nas primeiras páginas, descobrimos que o livro é construído em forma de entrevista. Venezia narrou sua história para a jornalista francesa Béatrice Prasquier, que a compilou nesse pequeno livro perturbador. Perguntas e respostas. Perguntas que ninguém quer fazer, respostas que muitos não querem saber... Ele conta que nos anos após a libertação, em 1945, muitos não quiseram ouvir o que os sobreviventes tinham a falar, não queriam acreditar. Mas depois de décadas de silêncio, quando os interesses pelos horrores do Holocausto se intensificaram, Venezia pôde, por fim, ser ouvido.
“É difícil se dar conta hoje em dia, mas não se pensava em nada; não podíamos trocar sequer uma palavra entre nós. Não que fosse proibido, mas porque estávamos aterrorizados. Nos tornamos autômatos, obedecendo às ordens e tentando não pensar, para poder sobreviver mais algumas horas. Birkenau era um verdadeiro inferno, ninguém pode compreender e nem entrar na lógica daquele campo. É por isso que quero contar, contar o quanto puder, mas me fiando exclusivamente em minhas lembranças, naquilo que tenho certeza de ter visto e em nada mais.” pág. 85
No livro encontramos sua descrição de como foi testemunhar o extermínio de milhares de pessoas, a dificuldade em acreditar no que estava acontecendo e, depois, o alheamento necessário para conseguir seguir em frente.

Ilustração de David Olère¹
Ele detalha como era a chegada dos prisioneiros ao campo e os truques utilizados pelos nazistas para diminuir-lhes as reações diante da morte que se aproximava nas câmaras de gás. As seleções de quem viveria por mais algum tempo ou morreria imediatamente. O horror. A rotina dos crematórios e o fato de que os próprios integrantes do Sonderkommando, de tempos em tempos, também seriam eliminados.

O livro todo é um soco no estômago. É ter contato com a bestialidade humana. É ter a certeza que não podemos deixar essa parte da recente história mundial escondida debaixo do tapete. O Holocausto não foi o sonho de um lunático isolado, foi a vontade de um povo sendo executada a sangue frio. Hitler não fez aquilo tudo sozinho, ele contou com o apoio de muitas pessoas que não o seguiam somente por medo... muitos o seguiam por admiração. 

Ilustrações de David Olère¹
Ter contato com o que a humanidade tem de pior pode ser uma experiência traumática. Dificilmente seremos os mesmos depois de percebermos o quão baixo podemos chegar. Enfim, Sonderkommando - No Inferno das Câmaras de Gás é mais uma peça desse enorme quebra-cabeça... é um livro curto e perturbador que, infelizmente, é leitura obrigatória para quem se interessa pelo tema.


¹ David Olère - outro sobrevivente do Sonderkommando.

 
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"Entre Aspas" #1 (Machado de Assis)

"Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce "por pirraça"; e eu tinha apenas seis anos. Prudência, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixas, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia, - algumas vezes gemendo, - mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um - "ai, nhonhô!" - ao que eu retorquia: - "Cala a boca, besta!" - Esconder os chapéus das visitas, deitar rabos de papel a pessoas graves, puxar pelo rabicho das cabeleiras, dar beliscões nos braços das matronas, e outras muitas façanhas deste jaez, eram mostras de um gênio indócil, mas devo crer que eram também expressões de um espírito robusto, porque meu pai tinha-me em grande admiração; e se às vezes me repreendia, à vista de gente, fazia-o por simples formalidade: em particular dava-me beijos." Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)

PS. Já conheci pessoas assim...


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Novidade "Entre Aspas" - Nova série do blog #0

Hoje inicio aqui mais uma série de postagens aleatórias: "Entre Aspas" (um aplauso para meu  insight extremo de criatividade \o/ )

Como não é difícil de imaginar, a série será de citações (quotes pra quem gosta) de livros que li, frases que por algum motivo, durante a leitura, pularam diante de meus olhinhos míopes.

Elas não precisam ser brilhantes (ou ultrajantes), nem fazer sentido quando retiradas de seu contexto... elas precisam, unicamente, ter chamado minha atenção (para o bem ou para o mal).

E na falta de um nome mais criativo, vai esse mesmo, que querendo ou não, cumpre bem o seu papel...

Então... e lá vamos nós!!!

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Seis Segundos de Atenção - Humberto Gessinger

Seis Segundos de Atenção (adorei o título), é uma compilação de crônicas escritas por Gessinger na maturidade. Fala sobre tudo e sobre nada. Textos esparsos entre letras de músicas. Pensamentos, sua visão de mundo. Pequenas reflexões inusitadas. Fama, tempo, música, acaso, controle remoto...

Eu gostei muito do livro, mas não sei se ele terá o mesmo impacto para "não-fãs" do Gessinger - o líder ditatorial do Engenheiros do Hawaii (apesar do livro não ser sobre a banda)... Mas para os admiradores, pode ser uma ótima maneira de conhecer mais desse gaúcho chucro de madeixas longas.

Minha relação com o Engenheiros é longa, remonta da minha já ida adolescência. Na época, eu havia acabado de ganhar "O meu segundo Gradiente", aquele vermelho com microfone e dois alto-falantes (a coqueluche do momento...). Com ele, ganhei duas fitas K7 (sim, eu sou da época do K7), o Papa é Pop do Engenheiros e uma da Mara Maravilha.

Minhas duas joias... confesso (momento vergonha alheia), eu gostava do K7 da Mara também, e me achava o máximo por isso, pois ela cantava aquela música "Esse tal de Rock'n Roll, Rooooock'nnnnn Rolllllllllllllllllllll".  

Escutava os dois K7's quase todos os dias. Sabia de cor todas as músicas. Eu era alucinada pela "A Violência Travestida Faz seu Trottoir" do Papa é Pop (ainda sou). E foi assim, pendurada em um K7 do Engenheiros que me tornei fã incondicional do senhor Gessinger, hoje um cinquentão.

Então, como fã, as crônicas do livro dialogaram comigo. Ajudaram a moldar a ideia que faço do próprio Gessinger e talvez por isso, e por ser bem escrito, tenham encontrado em mim um campo fértil de lembranças e nostalgia, que me fizeram gostar muito da obra. 

Com isso não quero dizer que o livro não agradará aos "não-fãs", longe disso... Acho que pode agradar também quem não conheça muito do Engenheiros, pois são pequenas crônicas do dia-a-dia, repletas de pensamentos sobre várias coisas que estavam na cabeça do Gessinger e com altas referências ao seu passado musical. Na minha opinião, as crônicas se encaixariam facilmente em uma coluna dominical do Zero Hora. Sucesso garantido.

Mas enfim... É uma leitura leve e descompromissada. Para quem gosta desse tipo de Literatura, para curiosos ou para fãs dos Engenheiros do Hawaii, fica aí uma dica de leitura bem gostosinha.

Eu recomendo!

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Quartos de Hotel - Inês Pedrosa

Inês Margarida Pereira Pedrosa é uma das expoentes da literatura portuguesa contemporânea. Nascida em 15 de agosto de 1962, já viu e ouviu muita coisa, e talvez por isso, e por amar as palavras desde cedo, tornou-se escritora antes mesmo de se formar em Jornalismo, nos idos 1983.

Publicou seu primeiro texto com doze anos, numa revista chamada Crônica Feminina e depois disso nunca mais abandonou a escrita. Profissional multifacetada, trabalhou em diversos jornais e revistas portugueses, escreveu livros infantis, romances, artigos e contos sem nunca abandonar sua escrita primorosa. E para quem duvida, basta ler seu breve conto chamado Quartos de Hotel. 

De forma brilhante e despretensiosa, acabamos descobrindo que a trama de Inês é sobre amores, destinos desencontrados, amigos, amantes, o tempo. O tempo que passa destemido e que a tudo leva, que a quase tudo apaga. 

É uma escrita leve, quase poética. Palavras que nos levam a quartos de hotéis que encerram em si várias histórias, vários encontros, vários destinos.

Tocante! Eu recomendo!


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