QUARTO DE DESPEJO e a escolha de Audálio Dantas - O livro de Carolina Maria de Jesus e a escolha do jornalista.

Eis aí um livro que todos deveriam ler e, principalmente, refletir sobre seu significado na nossa sociedade. Quarto de Despejo reproduz os diários de Carolina Maria de Jesus, considerada uma das primeiras escritoras negras do Brasil. Segundo consta, seus livros foram traduzidos para mais de 13 idiomas, alcançando considerável reconhecimento internacional, enquanto que aqui, em seu país, ela não passa de uma ilustre desconhecida.

E digo isso, pois poucos são os brasileiros que conhecem seu nome ou sua obra. Carolina não está nas listas de leitura das escolas públicas, não está nas leituras obrigatórias do vestibular, não está nos livros de história ou nas listas de clássicos nacionais. Seus livros, apesar de editados, estão relegados ao esquecimento editorial.

Não fosse isso já tristeza suficiente, ainda há outros elementos na obra que precisam ser analisados. Quem “descobriu” Carolina foi um jornalista chamado Audálio Dantas, que, em um prefácio/apresentação muito comovente, explica que optou por manter na íntegra os eventuais erros ortográficos encontrados na escrita da autora, segundo ele para preservar fielmente os diários da favelada que estudou apenas até o segundo ano do ensino fundamental.

Enquanto lia o livro fiquei pensando um bom tempo sobre isso. Foi uma escolha interessante, mas bastante excludente na minha opinião, pois normalmente os livros a serem publicados passam por uma revisão, exatamente para corrigir quaisquer erros. Assim, é fato que os textos das outras pessoas, a sua maioria com estudo, também apresentam um número considerável de erros ortográficos, tanto que tem um profissional apenas para isso, certo?

Então qual o motivo para não fazer a mesma correção com o texto da favelada? O que importa no texto é a mensagem, os erros não me dizem nada além do que já sabemos, que Carolina tinha quase nada de estudo. Para mim, essa foi uma escolha que retira de Carolina o mérito da escrita. Olha, o livro é bom, mas foi escrito por uma favelada sem estudo... Essa escolha me deixou muito desconfortável, pois me pareceu um muro intransponível que diz que Carolina está do outro lado. Realmente fiquei com essa engasgada na garganta...

Depois, pesquisando sobre o assunto, descubro que uma estudiosa da obra de Carolina, que teve acesso aos cadernos originais (alguns na França, inclusive), afirma que as obras editadas fazem a escritora parecer mais rasa do que a realidade, com menos conteúdo, mais simplória...

Não bastasse isso, ainda obtive a informação que na época da publicação do Quarto de Despejo não foram poucos os obstáculos a transpor e que o interesse, na verdade, era exaltar uma favelada que escrevia e não o reconhecimento de uma escritora na favela.

Enfim, não foi pouco o meu descontentamento com a escolha de Audálio, e dos demais editores, que do alto de seus palanques, miraram seus refletores em algo com potencial para divertir a classe média. Uma pena que ao ler os diários de Carolina, eu só tenha conseguido intensificar meu descontentamento com a descoberta que muito pouco – ou nada – mudou. Essa escolha, aparentemente inofensiva, de preservar os erros ortográficos somente consolida minha ausência de fé na sociedade. Não há interesse na mudança e, por isso, muito pouco mudará!

Hoje, a única coisa que posso desejar é que mais pessoas tenham acesso a essa obra incrível, e que mais pessoas consigam ler nas entrelinhas o que está escrito em letras garrafais...  



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Rachmaninoff - Etude-Tableau in D minor, Op.33 Nº 4

Esta aí uma das coisas mais belas que eu já ouvi... 

Sergei Vasilievich Rachmaninoff foi um compositor, pianista e maestro russo, nascido em 1º de abril de 1873 na cidade de Semyonovo, noroeste russo, que - por puro merecimento - entrou para a galeria dos últimos grandes expoentes do estilo romântico da música clássica europeia.

Para os pianistas, tocar as obras de Rachmaninoff é uma verdadeira odisseia. Com trejeitos únicos e mãos enormes capazes de executar movimentos que muitos nem conseguem imaginar, suas composições fizeram história e admiradores pelo largo das décadas.

Sua vida foi a música, uma amiga devotada, uma amante inseparável... tanto é assim, que reza a lenda que nos momentos finais antes de sua morte, em 20 de março de 1943, Rachmaninoff insistia em afirmar que podia ouvir música tocando em algum lugar por perto, enquanto os presentes lhe asseguravam que não era o caso. Convencido, por fim ele declarou: "então a música está na minha cabeça!". E devia mesmo estar, pois após uma vida dedicada à música, não seria justo ser por ela abandonado logo em seu leito de morte.

Agora, imagine-se em um dia qualquer da sua vida, em uma viagem qualquer, satisfeito da vida... de repente, não mais que de repente, você acaba entrando - por pura curiosidade - em uma sala e se sentando em uma plateia bem intimista, poucas cadeiras, poucas pessoas, porta fechada, seu amor, um piano e um pianista... 

É tudo surpresa: em uma ruela escondida um grande espetáculo! Você sentado e essa música ressoando pela sala... Êxtase de satisfação... Foi assim que me apaixonei pelo Etude-Tableau in D minor, Op.33 Nº 4. Numa tarde qualquer, em uma rua qualquer de uma linda cidade qualquer... 

Um raro momento no paraíso...

Feche os olhos e aproveite!!!

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Fuga do Campo 14 - Blaine Harden

O "Fuga do Campo 14" é um livro de digestão lenta, sofrida. Não é fácil entrar em contato com tanto sofrimento e sair ileso, até por não ser esta a proposta do livro, que é a denúncia. Blaine HHHHHHHkfdaslfçkaarden, o jornalista-escritor, quis revelar ao mundo os horrores escondidos dentro das fronteiras da Coréia do Norte, o Campo de Trabalhos Forçados nº 14, o qual, por acaso, a Coréia alega não existir.

Blaine, como correspondente de jornais norte-americanos na Ásia, entrou em contato com Shin Dong Hyuk, o único fugitivo do Campo 14 a que se tem notícia. Depois de várias entrevistas, conversas e encontros, Blaine escreveu, em forma de relato, um livro com as memórias sofridas de um fugitivo e informações chocantes sobre um país inacreditável.

Talvez aqui no Brasil nós não tenhamos noção do estardalhaço que esse pequeno livro fez no mundo, mas foi grande... e importante. Imagine que esse livro serviu de prova-chave num processo da ONU contra violações dos direitos humanos na Coréia do Norte. Após o processo, a própria Coréia foi impelida a gravar um vídeo-resposta desacreditando Shin como testemunha. Meses depois, o próprio Shin fez algumas declarações contundentes sobre o livro, enfim... A coisa foi longa e cheia de reviravoltas, muitas pessoas e interesses envolvidos, uma loucura. No entanto, não darei aqui maiores informações, pois considero que elas são muito mais impactantes depois da leitura do Fuga do Campo 14 (Para quem já leu, fiz um vídeo sobre isso... link aqui).

De qualquer maneira, o livro é um soco no estômago, é algo que nos faz repensar nosso lugar enquanto membros de uma sociedade livre e, aparentemente, igualitária. A Coréia do Norte é a ditadura mais fechada a que se tem notícia, e do pouco que sabemos dela, podemos pensar que são descrições de algum livro de distopia ou algo do gênero, só que não...

Depois da leitura do Fuga do Campo 14, consegui levantar várias questões e, até mesmo, repensar minha relação com os livros de não-ficção. De um modo geral, acho que é um livro importante e que deve ser lido, mas deixando bem claro que não se deve parar somente em suas poucas páginas, pois este é um livro que abalou diversas nações e, por isso, tem o mérito de nos fazer pensar sobre o papel dos livros no mundo.

Eu recomendo a leitura na tentativa de abrir a discussão sobre o que lemos, e o porquê de o lermos. Enfim, fica aqui minha dica de um livro necessário à nossa formação de leitores de não-ficção. E para quem já leu e quiser conversar, estarei aqui aberta à discussão...

Até!





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TAG 50 Perguntas e 5 minutos

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Lidos de Outubro e Leituras em Andamento

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Marcações #11 - O ato e o fato: O som e a fúria do que se viu no Golpe de 1964 (CONY, Carlos Heitor)


Eis as marcações que fiz no Kindle:

O ato e o fato: O som e a fúria do que se viu no Golpe de 1964 (CONY, Carlos Heitor)


princípio ou para que fins estão conspurcando a dignidade humana com prisões e punições idiotas e violentas. Os antigos
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Pois no Brasil de 1964 não se respeita nada. Cassam mandatos sem que os réus tenham a oportunidade de abrir a boca.
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Quem estiver nessa mesma situação que faça também o que seja possível. Se possível, faça o impossível. Cruzar os braços e fechar a boca pode ser cômodo, mas não será com os braços cruzados e as bocas fechadas que vamos fazer retornar aos quartéis os militares que se assanharam em invadir o país.
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Já se fala em eleições indiretas — o que é uma forma direta de indiretamente anunciar que não haverá eleição.
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Não tenho dúvidas em considerar tal atitude como uma prova de sabujice nacional diante dos Estados Unidos. Fazemos o jogo, não da parte sadia da grande nação do Norte, mas de sua parte corrupta e retrógrada, de sua parte mais sanguinária e cruel. Todos sabemos que o problema cubano é, para os Estados Unidos, um elemento precioso para a manutenção e solidificação de um Estado militarista.
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O Brasil agora é dos velhos, dos homens nostálgicos do ancien régime, que consideram subversão o fato de o trabalhador ter direito às férias, a um salário decente, a uma aposentadoria, a uma relativa liberdade.
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E ficam assim muitas coisas explicadas. Explica-se por que pessoas antes tão comedidas hoje se intitulam santamente de revolucionárias — qualificação que até há pouco evocava-nos as figuras de Danton, Bolívar, Tiradentes, Byron ou Malraux.
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Enfim, o pronunciamento do ministro da Guerra teve um mérito: revelou publicamente o despreparo do grupo, poderoso em armas e débil em ideias, que tomou conta do governo e já não sabe o que fazer com o próprio governo.
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Um preso disse, há dias, para a filha que lhe foi fazer visita: “Isso é um minuto na História, minha filha, não chore por tão pouco!” A moça continuou chorando. É que o minuto está custando a passar. E quando um povo começa a chorar é sinal que desse pranto nascerão gigantes que tornarão insignificantes o minuto e os pigmeus que nos oprimem e mutilam.
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Analisemos os fatos. As influências dos grupos econômicos estrangeiros já passaram seus recibos com firmas reconhecidas. Acredito que muitos inocentes que foram para a rua lutar contra o sr. João Goulart ignoravam que, no fundo, aquilo tudo fora previsto, combinado e subvencionado por grupos preocupados em dar segurança aos investimentos — metáfora que arranjaram para designar a intromissão em nossos assuntos internos.
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Se me perguntarem o que de pior aconteceu no Brasil em seus quatrocentos e tantos anos de vida, eu diria sem receio: o Ato Institucional assinado pelos ministros militares em abril de 1964. Pior pelo que realmente trouxe: a tirania, a supressão do Estado jurídico, a idiotice generalizada. Mas o pior, realmente, não chegou a ser isso. Nunca um governo usou de tanta força, manietou tanto um povo, avocou a si mesmo tanta responsabilidade. E para quê? Para promover reformas básicas? Para melhorar o nível econômico do país? Para libertar a nossa economia do jugo internacional? Para criar novas fontes de produção? Para alfabetizar o povo? Nada disso. Toda a força foi acumulada, toda a aberração jurídica foi perpetrada apenas para as caças, as perseguições, as mesquinharias, o saciar dos ódios. Durante todo esse tempo, o governo poderia impor ao Congresso uma reforma agrária, ou uma reforma administrativa ou bancária, medidas essas que o próprio sr. Castelo Branco foi obrigado a admitir como necessárias. Mas nada disso foi feito. Usou-se a força tão somente para intimidar o Congresso e o povo e, através do pânico, arrancar punições e castigos para os inimigos pessoais ou políticos dos homens que subiram ao poder.
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Como se não bastassem os males que já temos, o marechal Taurino de Resende[24] arranjou, por conta própria, mais um pesadelo para toda a nação: ameaça cassar a Justiça Civil, banindo-a de nossa estrutura estatal. De acordo com o marechal, somente a Justiça Militar tem meios e moral bastantes para investigar e punir os culpados.

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Marcações #10 - A Arte de Ler (Mortimer J. Adler)


Eis as marcações que fiz no Kindle:

A Arte de Escrever (Schopenhauer, Arthur)


Assim como as atividades de ler e aprender, quando em excesso, são prejudiciais ao pensamento próprio, as de escrever e ensinar em demasia também desacostumam os homens da clareza e profundidade do saber e da compreensão, uma vez que não lhes sobra tempo para obtê-los.
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Quando lemos por erudição, aprendemos fatos. Quando lemos para compreender, aprendemos o significado deles, também.
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Ser um bom leitor, muitas vezes significa a quantidade, raramente a qualidade do que se lê. Não foi só o pessimista e misantropo Schopenhauer que investiu contra o excesso de leitura, por achar que, na grande maioria, os homens lêem passivamente e se saturam com doses tóxicas de erudição não-assimilada. Bacon e Hobbes pensavam assim também. Hobbes dizia: "Se eu lesse como muitos homens o fazem" – ele queria dizer “se lesse tão mal" – "seria tão sem inteligência quanto eles.” Bacon achava que, "entre os livros, há os que merecem ser provados, há os que merecem ser engolidos e há uns poucos que merecem ser mastigados e digeridos". A idéia que persiste é a existência de várias espécies de leitura, apropriadas às várias espécies de literatura.
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mas não adianta que nossos antecessores nos dirijam a palavra, se não sabemos ouvi-los.
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Mas suponha-se que pudéssemos ressuscitar os professores-primários de todos os tempos. Suponha-se que existisse um. colégio ou universidade em que o corpo docente fosse assim constituído. Heródoto e Tucidides ensinavam Historia da Grécia e Gíbbon falava sobre a decadência de Roma. Platão e São Tomas davam, juntos, um curso de Metafísica. Francis Bacon e John Stuart Mill discutiam a lógica da Ciência; Aristóteles e Emanuel Kant abordavam os problemas morais. Thomas Hobbes e John Locke falavam sobre Política. As lições de Matemática eram dadas por Euclides, Descartes, Riemann e Cantor, com Bertrand Russel e A. N. Whitehead de contra-peso. Podia-se ouvir São Agostinho e Wi1liam James falarem da natureza do homem e da inteligência e Jacques Maritain a comentar as aulas. Harvey discutia a circulação do sangue e Galeno, Claude Bernard e Haldane ensinavam Fisiologia geral. As aulas de Física se adaptavam ao talento de Galileu e Newton Faraday e Maxwell, Planck e Einstein. Boyle, Dalton, Lavoisier e Pasteur ensinavam Química. Darwin e Mendel davam as principais noções de Evolução e Genética, com palestras suplementares por Bateson e T. H. Morgan. Aristóteles, Sir Philip Sidney, Wordsworth e Shelley tratavam da natureza da Poesia e dos princípios da Crítica literária, ajudados por T. S. Eliot. As aulas de Economia estavam aos cuidados de Adam Smith, Ricardo, Karl Marx e Mar hall. Boas discutia as raças e sub-raças humanas, Thorstein Veblen e John Dewey, os problemas econômicos e políticos da democracia americana e Lenine dava aulas de comunismo. Etienne Gilson analisava a historia da Filosofia e Poinearé e Duhem, a história da Ciência. Havia lições de arte por Leonardo da Vinci e um estudo sobre Leonardo, por Freud. Hobbes e Locke tratavam do uso e do abuso das palavras, referindo-se a Ogden e Richards, Korzybski e Stuart Chase. Podia-se imaginar um corpo docente muito mais vasto do que esse, mas fiquemos por aqui.
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Quem procura o atalho mais curto, vai acabar num paraíso de idiotas – com uma imbecilidade ignorantemente culta e um eterno pedantismo.
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Nos primeiros capítulos, viram a necessidade de separar e interpretar palavras e sentenças importantes.
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Será de mais pedir que um aluno seja capaz de ler um livro inteiro, e não um parágrafo só, e não só repetir o que estiver escrito, mas mostrar uma compreensão cada vez maior do assunto que está sendo discutido? Será de mais pretender que os colégios exercitem seus alunos, não só em interpretar, mas em criticar também; isto é, em discriminar o que e verdadeiro do que é falso ou errado, em suspender o julgamento se não se convencerem, ou em julgar com a razão, se concordam ou discordam? Não
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Em seu liberalismo falso, os educadores progressistas confundiram disciplina com regime, esquecendo-se de que não existe liberdade verdadeira sem que a inteligências tenha se libertado pela disciplina.
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A verdadeira liberdade e intelectual; repousa no poder educado do pensamento." Uma inteligência disciplinada, baseada no poder do pensamento, é a que lê e escreve criti-ca1uente, e faz um trabalho eficiente de descoberta. A arte de pensar, como vimos, ó a arte de aprender pelo ensino ou pela pesquisa, sem auxílio de fora.
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Nunca me cansei de citar-lhes John Dewey. Faz tempo já que ele disse: “A disciplina que e igual ao poder educado e, também, igual à liberdade... A verdadeira liberdade e intelectual; repousa no poder educado do pensamento." Uma inteligência disciplinada, baseada no poder do pensamento, é a que lê e escreve criti-ca1uente, e faz um trabalho eficiente de descoberta. A arte de pensar, como vimos, ó a arte de aprender pelo ensino ou pela pesquisa, sem auxílio de fora.
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Não estou dizendo, repito, que a essência da educação esteja em saber ler e aprender nos livros. É possível realizar inteligentemente uma pesquisa. Além do que, pode-se ser bem informado em todos os setores de fatos que constituem uma base necessária para o pensamento. Não há razão para que não se façam todas essas coisas, no tempo de aulas à nossa disposição. Mas, tendo que escolher entre elas, o primeiro lugar será sempre das habilidades fundamentais, enquanto que a erudição de qualquer espécie ocupará o segundo. Aqueles que fazem a escolha contrária devem considerar a educação como um amontoado de fatos que a pessoa adquire no colégio e procura carregar, durante o resto da vida, embora a bagagem se torne mais pesada, a medida em que se revela cada vez mais inútil.
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Os colégios só educam, se nos capacitam a continuar aprendendo sempre.
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A Arte de Ler (Mortimer J. Adler)
- Seu destaque ou posição 1082-1083 | Adicionado: sexta-feira, 11 de setembro de 2015 09:12:59

Quando os homens são incapazes de ler e de escrever, parece que sua incompetência se revela na crítica exagerada que fazem das obras alheias. Um psicanalista entenderia isto como uma projeção patológica dos próprios defeitos em outra pessoa.
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Quando os homens são incapazes de ler e de escrever, parece que sua incompetência se revela na crítica exagerada que fazem das obras alheias. Um psicanalista entenderia isto como uma projeção patológica dos próprios defeitos em outra pessoa. Quanto menos somos capazes de empregar inteligentemente as palavras, mais reprovamos, nos outros, sua linguagem ininteligível.
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existisse um. colégio ou universidade em que o corpo docente fosse assim constituído. Heródoto e Tucidides ensinavam Historia da Grécia e Gíbbon falava sobre a decadência de Roma. Platão e São Tomas davam, juntos, um curso de Metafísica. Francis Bacon e John Stuart Mill discutiam a lógica da Ciência; Aristóteles e Emanuel Kant abordavam os problemas morais. Thomas Hobbes e John Locke falavam sobre Política.
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As lições de Matemática eram dadas por Euclides, Descartes, Riemann e Cantor, com Bertrand Russel e A. N. Whitehead de contra-peso. Podia-se ouvir São Agostinho e Wi1liam James falarem da natureza do homem e da inteligência e Jacques Maritain a comentar as aulas. Harvey discutia a circulação do sangue e Galeno, Claude Bernard e Haldane ensinavam Fisiologia geral. As aulas de Física se adaptavam ao talento de Galileu e Newton Faraday e Maxwell, Planck e Einstein. Boyle, Dalton, Lavoisier e Pasteur ensinavam Química. Darwin e Mendel davam as principais noções de Evolução e Genética, com palestras suplementares por Bateson e T. H. Morgan. Aristóteles, Sir Philip Sidney, Wordsworth e Shelley tratavam da natureza da Poesia e dos princípios da Crítica literária, ajudados por T. S. Eliot. As aulas de Economia estavam aos cuidados de Adam Smith, Ricardo, Karl Marx e Mar hall. Boas discutia as raças e sub-raças humanas, Thorstein Veblen e John Dewey, os problemas econômicos e políticos da democracia americana e Lenine dava aulas de comunismo. Etienne Gilson analisava a historia da Filosofia e Poinearé e Duhem, a história da Ciência. Havia lições de arte por Leonardo da Vinci e um estudo sobre Leonardo, por Freud. Hobbes e Locke tratavam do uso e do abuso das palavras, referindo-se a Ogden e Richards, Korzybski e Stuart Chase. Podia-se imaginar um corpo docente muito mais vasto do que esse, mas fiquemos por aqui.
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O que era olhado como atividade extracurricular passou para o centro do palco, e as matérias básicas do currículo se amontoam, de qualquer modo, nos bastidores, para serem guardadas ou jogadas no liso. Nesse processo, iniciado pelo sistema eletivo e completado pelos excessos da educação progressiva, as disciplinas intelectuais básicas foram atiradas a um canto ou inteiramente fora do palco. Em seu liberalismo
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O que era olhado como atividade extracurricular passou para o centro do palco, e as matérias básicas do currículo se amontoam, de qualquer modo, nos bastidores, para serem guardadas ou jogadas no liso. Nesse processo, iniciado pelo sistema eletivo e completado pelos excessos da educação progressiva, as disciplinas intelectuais básicas foram atiradas a um canto ou inteiramente fora do palco. Em seu liberalismo falso, os educadores progressistas confundiram disciplina com regime, esquecendo-se de que não existe liberdade verdadeira sem que a inteligências tenha se libertado pela disciplina.
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Mas, dirão, estamos vivendo numa era democrática. É mais importante que muitos homens saibam ler um pouco, do que poucos ler muito. Há alguma verdade nisso, mas não toda a verdade. A participação real nos processos democráticos de autodeterminação exige maior cultura, do que a que vem sendo dada à maioria.
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Confundem a autoridade que não é senão a voz da razão, com autocracia ou tirania.
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Como muitos de nós, não sabem o que significa docilidade. Ser dócil é ser maleável. E, para isso, a pessoa tem de possuir a arte de aprender e praticá-la ativamente. Quanto mais ativa é uma pessoa ao aprender com um professor, morto ou vivo, e quanto mais arte utiliza quem ensina, tanto mais dócil é essa pessoa. A docilidade, em suma, é o posto de passividade e credulidade. Aqueles que perdem a docilidade – os alunos que dormem durante as aulas – são os mais fáceis de serem doutrinados. Perdendo a arte de aprender, seja ela habilidade de ouvir ou ler, não sabem como ser ativos, ao receber o que lhes é comunicado. Dai, ou eles não recebem nada, absolutamente, ou o que recebem, absorvem sem criticar. Desprezando os três R no começo e as artes liberais quase completamente, no fim, nossa educação contemporânea é, essencialmente, antiliberal. Nossos alunos são alimentados com todas as espécies de preconceitos locais e papas mastigadas. Engordados assim, são como um trapo nas mãos dos demagogos. Sua resistência à autoridade superficial, que nada mais É do que a imposição de uma opinião, diminuiu. Eles chegarão até a acreditar na propaganda insidiosa dos cabeçalhos de certos jornais. Mesmo quando as doutrinas que impõem são democráticas, os colégios não cultivam o julgamento livre, porque abandonaram a disciplina. Deixam os alunos inermes diante da doutrinação oposta de oradores mais poderosos ou, o que é pior, diante do domínio de suas más paixões. Nossa educação é mais demagógica do que democrática. O aluno que não aprendeu a pensar criticamente, que não foi levado a respeitar a razão como único árbitro da verdade nas generalizações humanas, que não foi conduzido para fora dos becos-sem-saída das gírias e senhas locais, não será salvo pelo orador da sala de aula. Mas sucumbirá diante do orador da praça pública ou da imprensa. Para nos salvarmos, devemos seguir o preceito do Book of Common Player: “Leia, grave, aprenda e assimile interiormente.”
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Quem não se ajuda, não pode aprender a ler nem adquirir habilidades que com isso se relacionem.
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Lippmann, que fez um curso brilhante em Harvard, atribuiu seu espanto ao fato de nunca ter desafiado os modelos de sua geração. Diga-se em seu abono, entretanto, que, desde que deixou Harvard, leu muitos grandes livros. Isso tem certo peso em sua observação: “Comecei a pensar que era muito significativo que homens assim educados tivessem fundado nossas literaturas, e que nós, que não somos educados desse modo, as estejamos malbaratando, com risco de perdê-las. Passei. aos poucos, a acreditar que esse fato e a chave para o enigma de nossa época, e que os homens estão deixando de ser livres, porque não estão sendo educados nas artes dos homens livres.” Percebem por que razão acho que a leitura tem dinamite, não apenas para destruir o sistema escolar, mas para garantir a proteção de nossas liberdades?
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O sinal mais evidente de que realizaram o trabalho de ler é o cansaço. A leitura-leitura produz uma atividade mental intensa. Se vocês não ficam cansados, é provável que não tenham realizado esse trabalho. Longe de ser passiva e frouxa, sempre julguei a leitura, por mais insignificante que fosse, uma ocupação árdua e ativa.
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O sinal mais evidente de que realizaram o trabalho de ler é o cansaço. A leitura-leitura produz uma atividade mental intensa. Se vocês não ficam cansados, é provável que não tenham realizado esse trabalho. Longe de ser passiva e frouxa, sempre julguei a leitura, por mais insignificante que fosse, uma ocupação árdua e ativa. Freqüentemente, não consigo ler mais do que umas poucas horas de cada vez, e é raro que leia muito nesse tempo. É, para mim, um trabalho difícil e vagaroso. Pode haver pessoas que leiam rapidamente e bem, mas eu não sou delas. A questão de velocidade não se discute. listou certo de que é um assunto em que os indivíduos diferem. O que se discute é a atividade. A mente não se nutre com uma leitura passiva. Torna-se mata-borrão.
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Daí, outro sinal pelo qual vocês podem saber se estão realizando o trabalho de ler. Não só se cansam, como revelarão de algum modo sua atividade mental. Em geral o pensamento se exprime, abertamente, pela linguagem. Os homens tendem a verbalizar as idéias, dúvidas, dificuldades, raciocínios que ocorrem no curso do pensamento. Se vocês estiverem lendo, na certa que pensaram; há alguma coisa que podem exprimir em palavras.
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Se são como muitos leitores que conheço, não deram atenção nenhuma ao Índice, ou, quando muito, passaram os olhos por ele. Mas os Índices são como os mapas. Tão úteis na primeira leitura de um livro, quanto um guia de ruas em lugares estranhos.
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Por outras palavras, tem-se primeiro que compreender um livro, para depois, julgá-lo. Coisas inteiramente distintas, como se ha de ver.
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Assim, lia três leituras distintas, que podem ser denominadas e descritas como se segue: I. A primeira leitura pode ser chamada estrutural ou analítica. O leitor procede do todo para as partes. II. A segunda leitura pode ser chamada interpretativa ou sintética. O leitor procede das partes para o todo. III. A terceira leitura pode ser chamada crítica ou avaliadora. O leitor julga o autor, e vê se concorda ou não com ele.
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Talvez seja útil dar um exemplo de anotação. Se eu estivesse lendo os primeiros capítulos deste livro, poderia fazer o seguinte diagrama para esclarecer os significados de “ler” e "aprender", e para relacioná-los um com o outro e com outras coisas: Tipos de leitura:   I – Para divertimento. II – Para conhecimento. A – Para aprender. B – Para compreender. Tipos de aprendizado:   I – Pela descoberta: sem professores. II – Pelo ensino: com professores. A – Por professores vivos: aulas: ouvindo. B – Por professores mortos: livros: lendo.   Portanto a Leitura II (A e B) é igual ao Aprendizado II (B) Mas os livros também são de tipos diferentes: Tipos de livros:   I – Resumos e repetições de outros livros. II – Comunicações originais. E conclui-se que:   A Leitura II (A) se refere mais intimamente aos Livros I. A Leitura II (B) se refere mais intimamente aos livros II.
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A Arte de Ler (Mortimer J. Adler)
- Seu destaque ou posição 1536-1537 | Adicionado: quinta-feira, 22 de outubro de 2015 09:27:55

Já viram três das quatro regras para a segunda leitura: 1) descobrir e interpretar as palavras importantes do livro; 2) fazer o mesmo para as sentenças importantes e 3) para os parágrafos que exprimem argumentos.
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Para realizar a primeira leitura, é preciso saber: 1) que tipo de livro se lê, isto e, qual o assunto dele; 2) o que o livro, como um todo, procura dizer; 3) em quantas partes esse todo se divide e 4) dos problemas principais, quais são os que o autor está procurando resolver.
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As regras da terceira leitura indicam quais as observações a serem feitas e como fazê-las. Neste capítulo,
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A última etapa, na primeira leitura, é definir o problema ou problemas que o autor procura resolver. A última etapa na segunda leitura, é saber se o autor resolveu ou não esses problemas, ou quais foram os que ele resolveu. Assim vocês vêem de que modo essas duas primeiras leituras se relacionam, convergindo na etapa final.
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Pegam o livro e logo começam a mostrar os defeitos dele. Estilo cheios de opiniões, e o livro é apenas um pretexto para exprimi-las. Não deviam ser chamados “leitores”. São como muitas pessoas que vocês conhecem, que acham que conversar é falar e, nunca, ouvir. Essas pessoas não merecem o esforço que se faz falando com elas, e, muitas vezes, nem merecem ser ouvidas.
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Conheci muitos “leitores” que fazem, primeiro, a terceira leitura. Pior do que isso, nunca chegam a fazer as duas primeiras. Pegam o livro e logo começam a mostrar os defeitos dele. Estilo cheios de opiniões, e o livro é apenas um pretexto para exprimi-las. Não deviam ser chamados “leitores”. São como muitas pessoas que vocês conhecem, que acham que conversar é falar e, nunca, ouvir. Essas pessoas não merecem o esforço que se faz falando com elas, e, muitas vezes, nem merecem ser ouvidas.
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São como muitas pessoas que vocês conhecem, que acham que conversar é falar e, nunca, ouvir. Essas pessoas não merecem o esforço que se faz falando com elas, e, muitas vezes, nem merecem ser ouvidas.
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Conheci muitos “leitores” que fazem, primeiro, a terceira leitura. Pior do que isso, nunca chegam a fazer as duas primeiras. Pegam o livro e logo começam a mostrar os defeitos dele. Estilo cheios de opiniões, e o livro é apenas um pretexto para exprimi-las. Não deviam ser chamados “leitores”. São como muitas pessoas que vocês conhecem, que acham que conversar é falar e, nunca, ouvir. Essas pessoas não merecem o esforço que se faz falando com elas, e, muitas vezes, nem merecem ser ouvidas.
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Podem tentar ler os Federalíst Papers, sem terem lido os Artigos da Confederação e a Constituição. Ou podem ler tudo isso, sem terem lido o Espírito das Leis de Montesquieu, o Contrato Social de Rousseau ou o ensaio de Locke Sobre o Governo Civil.


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Marcações #6 A Civilização do Espetáculo (Mario Vargas Llosa)

Eis as marcações feitas no Kindle:

A Civilização do Espetáculo (Mario Vargas Llosa)

Ao contrário, a publicidade e as modas que lançam e impõem os produtos culturais em nossos tempos são um sério obstáculo à criação de indivíduos independentes, capazes de julgar por si mesmos o que apreciam, admiram, acham desagradável e enganoso ou horripilante em tais produtos. A cultura-mundo, em vez de promover o indivíduo, imbeciliza-o, privando-o de lucidez e livre-arbítrio, fazendo-o reagir à “cultura” dominante de maneira condicionada e gregária, como os cães de Pavlov à campainha que anuncia a comida. Outra afirmação d
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tendo o primeiro absorvido e anulado o segundo. É bom o que tem sucesso e é vendido; mau o que fracassa e não conquista o público. O único valor é o comercial. O desaparecimento da velha cultura implicou o desaparecimento do velho conceito de valor. O único valor existente é agora o fixado pelo mercado.
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É bom o que tem sucesso e é vendido; mau o que fracassa e não conquista o público. O único valor é o comercial. O desaparecimento da velha cultura implicou o desaparecimento do velho conceito de valor. O único valor existente é agora o fixado pelo mercado.
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O que quer dizer civilização do espetáculo? É a civilização de um mundo onde o primeiro lugar na tabela de valores vigente é ocupado pelo entretenimento, onde divertir-se, escapar do tédio, é a paixão universal. Esse ideal de vida é perfeitamente legítimo, sem dúvida. Só um puritano fanático poderia reprovar os membros de uma sociedade que quisessem dar descontração, relaxamento, humor e diversão a vidas geralmente enquadradas em rotinas deprimentes e às vezes imbecilizantes.
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O que quer dizer civilização do espetáculo? É a civilização de um mundo onde o primeiro lugar na tabela de valores vigente é ocupado pelo entretenimento, onde divertir-se, escapar do tédio, é a paixão universal. Esse ideal de vida é perfeitamente legítimo, sem dúvida. Só um puritano fanático poderia reprovar os membros de uma sociedade que quisessem dar descontração, relaxamento, humor e diversão a vidas geralmente enquadradas em rotinas deprimentes e às vezes imbecilizantes. Mas transformar em valor supremo essa propensão natural a divertir-se tem consequências inesperadas: banalização da cultura, generalização da frivolidade e, no campo da informação, a proliferação do jornalismo irresponsável da bisbilhotice e do escândalo.
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Massificação é outra característica, aliada à frivolidade, da cultura de nosso tempo.
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empenhados em adotar formas alternativas de existência. Em nossos dias o consumo maciço de maconha, cocaína, ecstasy, crack, heroína etc. corresponde a um ambiente cultural que impele homens e mulheres a buscar prazeres fáceis e rápidos que os imunizem contra a preocupação e a responsabilidade, em lugar do encontro consigo mesmo através da reflexão e da introspecção, atividades eminentemente intelectuais que parecem enfadonhas à cultura volúvel e lúdica. Querer fugir ao vazio e à angústia provocada pelo sentimento de ser livre e de ter a obrigação de tomar decisões, como o que fazer de si mesmo e do mundo ao redor — sobretudo se este estiver enfrentando desafios e dramas —, é o que suscita essa necessidade de distração, motor da civilização em que vivemos.
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Na civilização do espetáculo, o cômico é rei.
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nações: o intelectual. Consta que a denominação “intelectual” só nasceu no século XIX, durante o caso Dreyfus, na França, e as polêmicas desencadeadas por Émile Zola com seu célebre “Eu acuso”, escrito em defesa daquele oficial judeu falsamente acusado de traição à pátria por uma conspiração de altos comandos antissemitas do Exército francês.
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trabalho de investigação, acadêmico ou criativo, bom número de escritores e pensadores destacados influiu com seus escritos, pronunciamentos e tomadas de posição nos acontecimentos políticos e sociais, como ocorria quando eu era jovem, na Inglaterra com Bertrand Russell, na França com Sartre e Camus, na Itália com Moravia e Vittorini, na Alemanha com Günter Grass e Enzensberger, e o mesmo em quase todas as democracias europeias.
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na verdade, a real razão para a perda total do interesse do conjunto da sociedade pelos intelectuais é consequência direta do ínfimo valor que o pensamento tem na civilização do espetáculo. Porque outra característica dela é o empobrecimento das ideias como força motriz da vida cultural. Hoje vivemos a primazia das imagens sobre as ideias.
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essa marginalização talvez tenha efeito depurador e aniquile a literatura do best-seller, chamada com justiça de subliteratura não só pela superficialidade de suas histórias e pela indigência formal, como também por seu caráter efêmero, de literatura de atualidade, feita para ser consumida e desaparecer, como sabonetes e refrigerantes.)
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Mas, nossa época, em conformidade com a inflexível pressão da cultura dominante, que privilegia o engenho em vez da inteligência, as imagens em vez das ideias, o humor em vez da sisudez, o banal em vez do profundo e o frívolo em vez do sério, já não produz criadores como Ingmar Bergman, Luchino Visconti ou Luis Buñuel.
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Quanto às artes plásticas, adiantaram-se a todas as outras expressões da vida cultural em assentar as bases da cultura do espetáculo, estabelecendo que a arte podia ser jogo e farsa, nada mais que isso. Desde que Marcel Duchamp — que, sem a menor dúvida, era um gênio — revolucionou os padrões artísticos do Ocidente estabelecendo que um mictório também é uma obra de arte, desde que assim seja decidido pelo artista, tudo passou a ser possível no âmbito da pintura e da escultura, até um magnata pagar 12 milhões e meio de euros por um tubarão conservado em formol num recipiente de vidro, e o autor dessa brincadeira, Damien Hirst, ser hoje reverenciado não como extraordinário vendedor de engodos, que é, mas como um grande artista de nosso tempo.
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Num perspicaz ensaio sobre as arrepiantes derivas que a arte contemporânea chegou a tomar em casos extremos, Carlos Granés Maya cita “uma das performances mais abjetas de que se tem lembrança na Colômbia”, a do artista Fernando Pertuz, que numa galeria de arte defecou diante do público e, depois, “com total solenidade”, passou a ingerir suas fezes.
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“Mas a civilização do espetáculo é cruel. Os espectadores não têm memória; por isso também não têm remorsos nem verdadeira consciência. Vivem presos à novidade, não importa qual, contanto que seja nova. Esquecem depressa e passam sem pestanejar das cenas de morte e destruição da guerra do Golfo Pérsico às curvas, contorções e trêmulos de Madonna e Michael Jackson. Comandantes e bispos estão fadados à mesma sorte; também eles são aguardados pelo Grande Bocejo, anônimo e universal, que é o Apocalipse e o Juízo Final da sociedade do espetáculo.7 No âmbito
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“Mas a civilização do espetáculo é cruel. Os espectadores não têm memória; por isso também não têm remorsos nem verdadeira consciência. Vivem presos à novidade, não importa qual, contanto que seja nova. Esquecem depressa e passam sem pestanejar das cenas de morte e destruição da guerra do Golfo Pérsico às curvas, contorções e trêmulos de Madonna e Michael Jackson. Comandantes e bispos estão fadados à mesma sorte; também eles são aguardados pelo Grande Bocejo, anônimo e universal, que é o Apocalipse e o Juízo Final da sociedade do espetáculo.7
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No âmbito do sexo nossa época passou por transformações notáveis, graças à progressiva liberalização dos antigos preconceitos e tabus de caráter religioso que mantinham a vida sexual dentro de um torniquete de proibições. Nesse campo, sem dúvida, no mundo ocidental houve progressos, com a aceitação das uniões livres, a redução da discriminação machista contra mulheres, gays e outras minorias sexuais que pouco a pouco vão sendo integradas na sociedade que, às vezes a contragosto, começa a reconhecer o direito à liberdade sexual entre adultos. Está claro que a contrapartida dessa emancipação sexual foi, também, a banalização do ato sexual, que, para muitos, sobretudo nas novas gerações, se converteu em esporte ou passatempo, numa atividade compartilhada que não tem mais importância que a ginástica, a dança ou o futebol, quando não menos.

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A ingênua ideia de que, através da educação, se pode transmitir cultura à totalidade da sociedade está destruindo a “alta cultura”, pois a única maneira de conseguir essa democratização universal da cultura é empobrecendo-a, tornando-a cada dia mais superficial.
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Debord, autodidata, vanguardista radical, heterodoxo, agitador e promotor das provocações contraculturais dos anos 1960, qualifica de “espetáculo” aquilo que Marx, em seus Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844, chamou de “alienação” ou alheamento social resultante do fetichismo da mercadoria, que, no estágio industrial avançado da sociedade capitalista, atinge tal importância na vida dos consumidores que chega a substituir, como interesse ou preocupação central, qualquer outro assunto de ordem cultural, intelectual ou política. A aquisição obsessiva de produtos manufaturados, que mantenham ativa e crescente a fabricação de mercadorias, produz o fenômeno da “reificação” ou “coisificação” do indivíduo, entregue ao consumo sistemático de objetos, muitas vezes inúteis ou supérfluos, que as modas e a publicidade lhe vão impondo, esvaziando sua vida interior de preocupações sociais, espirituais ou simplesmente humanas, isolando-o e destruindo a consciência que ele tenha dos outros, de sua classe e de si mesmo; como consequência, por exemplo, o proletário “desproletarizado” pela alienação deixa de ser um perigo — e até um antagonista — para a classe dominante.
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Numerosos trabalhos nos últimos anos procuraram definir as características distintivas da cultura de nosso tempo no contexto da globalização, da mundialização do capitalismo e dos mercados, bem como da extraordinária revolução tecnológica. Um dos mais perspicazes é o de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, A cultura-mundo. Resposta a uma sociedade desorientada.4 Ele defende a ideia de que em nossos dias há o enaltecimento de uma cultura global — a cultura-mundo — que, apoiando-se no progressivo apagamento das fronteiras operado pela ação dos mercados, da revolução científica e tecnológica (sobretudo no campo das comunicações), vem criando, pela primeira vez na história, alguns denominadores culturais dos quais participam sociedades e indivíduos dos cinco continentes, aproximando-os e igualando-os apesar das diferentes tradições, crenças e línguas que lhes são próprias. Essa cultura, diferentemente do que antes tinha esse nome, deixou de ser elitista, erudita e excludente e transformou-se em genuína “cultura de massas”: “Em total oposição às vanguardas herméticas e elitistas, a cultura de massas quer oferecer ao público mais amplo possível novidades acessíveis que sirvam de entretenimento à maior quantidade possível de consumidores. Sua intenção é divertir e dar prazer, possibilitar evasão fácil e acessível para todos, sem necessidade de formação alguma, sem referentes culturais concretos e eruditos. O que as indústrias culturais inventam nada mais é que uma cultura transformada em artigos de consumo de massas” (p. 79).
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Por outro lado, algumas afirmações de Cultura-mundo me parecem discutíveis, como o fato de essa nova cultura planetária ter desenvolvido um individualismo extremo em todo o globo. Ao contrário, a publicidade e as modas que lançam e impõem os produtos culturais em nossos tempos são um sério obstáculo à criação de indivíduos independentes, capazes de julgar por si mesmos o que apreciam, admiram, acham desagradável e enganoso ou horripilante em tais produtos. A cultura-mundo, em vez de promover o indivíduo, imbeciliza-o, privando-o de lucidez e livre-arbítrio, fazendo-o reagir à “cultura” dominante de maneira condicionada e gregária, como os cães de Pavlov à campainha que anuncia a comida.
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Em 2010 foi publicado na França pela Flammarion o livro Mainstream, do sociólogo Frédéric Martel, que, de certo modo, mostra que a “nova cultura” ou “cultura-mundo” de que falavam Lipovetsky e Serroy já ficou para trás, defasada pela frenética voragem de nosso tempo. O livro de Martel é fascinante e aterrorizante em sua descrição da “cultura do entretenimento” que substituiu quase universalmente aquilo que há apenas meio século se entendia por cultura. Mainstream é, na verdade, uma ambiciosa reportagem feita em grande parte do mundo, com centenas de entrevistas, sobre aquilo que, graças à globalização e à revolução audiovisual, é hoje em dia um denominador comum entre os povos dos cinco continentes, apesar das diferenças de línguas, religiões e costumes. No livro
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Outra afirmação de Lipovetsky e Serroy que se diria pouco procedente consiste em supor-se que, em vista de milhões de turistas visitarem o Louvre, a Acrópole e os anfiteatros gregos da Sicília, a cultura não perdeu valor em nosso tempo e ainda goza “de elevada legitimidade” (p. 118). Os autores não percebem que essas visitas de multidões a grandes museus e monumentos históricos clássicos não representam um interesse genuíno pela “alta cultura” (assim a chamam), mas mero esnobismo, visto que a visita a tais lugares faz parte da obrigação do perfeito turista pós-moderno. Em vez de despertar seu interesse pelo passado e pela arte clássica, exonera-o de estudá-los e conhecê-los com um mínimo de competência. Um simples relance basta para lhe dar boa consciência cultural. Essas visitas dos turistas “à cata de distrações” desnaturam o significado real desses museus e monumentos e os equiparam a outras obrigações do turista perfeito: comer macarrão e dançar uma tarantela na Itália, aplaudir o flamenco e o cante hondo em Andaluzia e experimentar escargots, ir ao Louvre assistir a um espetáculo do Folies Bergère, em Paris.
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Para essa nova cultura são essenciais a produção industrial maciça e o sucesso comercial. A distinção entre preço e valor se apagou, ambos agora são um só, tendo o primeiro absorvido e anulado o segundo. É bom o que tem sucesso e é vendido; mau o que fracassa e não conquista o público. O único valor é o comercial. O desaparecimento da velha cultura implicou o desaparecimento do velho conceito de valor. O único valor existente é agora o fixado pelo mercado.
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O que quer dizer civilização do espetáculo? É a civilização de um mundo onde o primeiro lugar na tabela de valores vigente é ocupado pelo entretenimento, onde divertir-se, escapar do tédio, é a paixão universal. Esse ideal de vida é perfeitamente legítimo, sem dúvida. Só um puritano fanático poderia reprovar os membros de uma sociedade que quisessem dar descontração, relaxamento, humor e diversão a vidas geralmente enquadradas em rotinas deprimentes e às vezes imbecilizantes. Mas transformar em valor supremo essa propensão natural a divertir-se tem consequências inesperadas: banalização da cultura, generalização da frivolidade e, no campo da informação, a proliferação do jornalismo irresponsável da bisbilhotice e do escândalo.
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Desse modo sistemático e ao mesmo tempo insensível, não se entediar e evitar o que perturba, preocupa e angustia passou a ser, para setores sociais cada vez mais amplos do vértice à base da pirâmide social, o preceito de toda uma geração, aquilo que Ortega e Gasset chamava de “espírito de nosso tempo”, deus folgazão, amante do luxo e frívolo, ao qual todos, sabendo ou não, rendemos tributo há pelo menos meio século, e cada dia mais.
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Por isso, não é de estranhar que a literatura mais representativa de nossa época seja a literatura light, leve, ligeira, fácil, uma literatura que sem o menor rubor se propõe, acima de tudo e sobretudo (e quase exclusivamente), divertir. Atenção, não condeno nem de longe os autores dessa literatura de entretenimento, pois entre eles, apesar da leveza de seus textos, há verdadeiros talentos. Se em nossa época raramente são empreendidas aventuras literárias tão ousadas como as de Joyce, Virginia Woolf, Rilke ou Borges, isso não se deve apenas aos escritores; deve-se também ao fato de que a cultura em que vivemos imersos não propicia, ao contrário desencoraja, esses esforços denodados que culminam em obras que exigem do leitor uma concentração intelectual quase tão intensa quanto a que as possibilitou. Os leitores de hoje querem livros fáceis, que os distraiam, e essa demanda exerce uma pressão que se transforma em poderoso incentivo para os criadores.
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A literatura light, assim como o cinema light e a arte light, dá ao leitor e ao espectador a cômoda impressão de que é culto, revolucionário, moderno, de que está na vanguarda, com um mínimo esforço intelectual. Desse modo, essa cultura que se pretende avançada, de ruptura, na verdade propaga o conformismo através de suas piores manifestações: a complacência e a autossatisfação.
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Quando uma cultura relega o exercício de pensar ao desvão das coisas fora de moda e substitui ideias por imagens, os produtos literários e artísticos são promovidos, aceitos ou rejeitados pelas técnicas publicitárias e pelos reflexos condicionados de um público que carece de defesas intelectuais e sensíveis para detectar os contrabandos e as extorsões de que é vítima.
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Massificação é outra característica, aliada à frivolidade, da cultura de nosso tempo. Atualmente os esportes ganharam uma importância que só tiveram na Grécia antiga. Para Platão, Sócrates, Aristóteles e demais frequentadores da Academia, o cultivo do corpo era simultâneo e complementar ao cultivo do espírito, pois acreditavam que ambos se enriqueciam mutuamente. A diferença em relação à nossa época é que agora, em geral, a prática dos esportes é feita em detrimento e em lugar do trabalho intelectual. Entre os esportes, nenhum sobressai tanto quanto o futebol, fenômeno de massas que, tal como os shows de música moderna, reúne multidões e as excita mais que qualquer outra mobilização de cidadãos: comícios políticos, procissões religiosas ou convocações cívicas. Certamente para os aficionados — eu sou um deles — um jogo de futebol pode ser um espetáculo estupendo, de destreza e harmonia de conjunto e desempenho individual, que entusiasma o espectador. Mas, em nossos dias, as grandes partidas de futebol, assim como outrora os circos romanos, servem sobretudo como pretexto e liberação do irracional, como regressão do indivíduo à condição de partícipe da tribo, como momento gregário em que, amparado no anonimato aconchegante da arquibancada, o espectador dá vazão a seus instintos agressivos de rejeição ao outro, conquista e aniquilação simbólica (e às vezes até real) do adversário. Os famosos grupos violentos de torcedores de certos clubes e os estragos que provocam com seus confrontos homicidas, incêndios de arquibancadas e dezenas de vítimas mostram que em muitos casos não é a prática de um esporte o que imanta tantos torcedores aos campos (quase sempre homens, embora seja cada vez maior o número de mulheres que frequentam os estádios), e sim um ritual que desencadeia no indivíduo instintos e pulsões irracionais que lhe permitem renunciar à sua condição civilizada e comportar-se durante a partida como parte da horda primitiva.
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Ainda não havia encarado o assunto por este viés ... (por Vargas Llosa em a Civilização do Espetáculo)
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A razão dessa proliferação de igrejas e seitas é que apenas setores muito reduzidos de seres humanos conseguem prescindir inteiramente da religião, que faz falta à imensa maioria, pois apenas a segurança transmitida pela fé religiosa acerca da transcendência e da alma a liberta do desassossego, do medo e do desvario em que a mergulha a ideia da extinção, do perecimento total. E, de fato, a única maneira como a maioria dos seres humanos entende e pratica uma ética é através de alguma religião. Só pequenas minorias se emancipam da religião, substituindo com a cultura o vazio que ela deixa em sua vida: filosofia, ciência, literatura e artes. Mas a cultura que pode cumprir esta função é a alta cultura, que enfrenta os problemas e não foge deles, que tenta dar respostas sérias, e não lúdicas, aos grandes enigmas, interrogações e conflitos que cercam a existência humana. A cultura de superfície e ouropel, de jogo e pose, é insuficiente para suprir certezas, mitos, mistérios e rituais das religiões que sobreviveram à prova dos séculos. Na sociedade de nosso tempo os entorpecentes e o álcool propiciam a momentânea tranquilidade de espírito e as certezas e alívios que outrora eram garantidos a homens e mulheres por rezas, confissão, comunhão e sermões dos párocos.
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Na civilização do espetáculo, o cômico é rei.
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Consta que a denominação “intelectual” só nasceu no século XIX, durante o caso Dreyfus, na França, e as polêmicas desencadeadas por Émile Zola com seu célebre “Eu acuso”, escrito em defesa daquele oficial judeu falsamente acusado de traição à pátria
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Mas, embora o termo “intelectual” só tenha se popularizado a partir de então, é certo que a participação de homens de pensamento e criação na vida pública, nos debates políticos, religiosos e de ideias, remonta aos primórdios do Ocidente. Esteve presente na Grécia de Platão e na Roma de Cícero, no Renascimento de Montaigne e Maquiavel, no Iluminismo de Voltaire e Diderot, no Romantismo de Lamartine e Victor Hugo e em todos os períodos históricos que conduziram à modernidade.
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Paralelamente a seu trabalho de investigação, acadêmico ou criativo, bom número de escritores e pensadores destacados influiu com seus escritos, pronunciamentos e tomadas de posição nos acontecimentos políticos e sociais, como ocorria quando eu era jovem, na Inglaterra com Bertrand Russell, na França com Sartre e Camus, na Itália com Moravia e Vittorini, na Alemanha com Günter Grass e Enzensberger, e o mesmo em quase todas as democracias europeias. Basta pensar, na Espanha, nas intervenções de José Ortega y Gasset e Miguel de Unamuno na vida pública.
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a real razão para a perda total do interesse do conjunto da sociedade pelos intelectuais é consequência direta do ínfimo valor que o pensamento tem na civilização do espetáculo.
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Porque outra característica dela é o empobrecimento das ideias como força motriz da vida cultural. Hoje vivemos a primazia das imagens sobre as ideias. Por isso os meios audiovisuais, cinema, televisão e agora a internet, foram deixando os livros para trás, que, a se confirmarem as previsões pessimistas de George Steiner, dentro de não muito tempo estarão mortos e enterrados. (Os amantes da anacrônica cultura livresca, como eu, não devem lamentar, pois, em sendo assim, essa marginalização talvez tenha efeito depurador e aniquile a literatura do best-seller, chamada com justiça de subliteratura não só pela superficialidade de suas histórias e pela indigência formal, como também por seu caráter efêmero, de literatura de atualidade, feita para ser consumida e desaparecer, como sabonetes e refrigerantes.)
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Mas, nossa época, em conformidade com a inflexível pressão da cultura dominante, que privilegia o engenho em vez da inteligência, as imagens em vez das ideias, o humor em vez da sisudez, o banal em vez do profundo e o frívolo em vez do sério, já não produz criadores como Ingmar Bergman, Luchino Visconti ou Luis Buñuel. Quem o cinema de nossos dias transforma em ícone? Woody Allen, que está para David Lean ou Orson Welles como Andy Warhol está para Gauguin ou para Van Gogh, em pintura, ou como Dario Fo para Tchekhov ou para Ibsen em teatro.
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Tirante o branco [Tirant lo Blanc, em catalão], a esposa de Guy de Warwick [Guillem de Vàroic, em catalão] dá uma bofetada no filho, um menininho recém-nascido, para fazê-lo chorar pela partida do pai para Jerusalém.
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Tirante o branco [Tirant lo Blanc, em catalão], a esposa de Guy de Warwick [Guillem de Vàroic, em catalão] dá uma bofetada no filho, um menininho recém-nascido, para fazê-lo chorar pela partida do pai para Jerusalém. Nós, leitores, rimos, achando engraçado esse disparate, como se as lágrimas arrancadas à pobre criatura pela bofetada pudessem ser confundidas com o sentimento de tristeza. Mas nem a dama nem os personagens que contemplam a cena riem, porque para eles pranto — forma pura — é tristeza. E não há outra maneira de estar triste senão chorando — “derramando vivas lágrimas”, diz o romance —, pois neste mundo é a forma que conta, e a serviço dela estão os conteúdos dos atos. Isso é frivolidade, maneira de entender o mundo, a vida, segundo a qual tudo é aparência, ou seja, teatro, ou seja, brincadeira e diversão.)
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encontrar esse livro
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O sexo light é o sexo sem amor e sem imaginação, o sexo puramente instintivo e animal. Desafoga uma necessidade biológica, mas não enriquece a vida sensível e emocional, nem estreita a relação do casal para além do embate carnal; em vez de livrar o homem ou a mulher da solidão, passado o ato urgente e fugaz do amor físico, devolve-os à solidão com uma sensação de fracasso e frustração.
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ricos, vencedores e famosos deste vale de lágrimas se casam, se descasam, se recasam, se vestem, se desvestem, brigam, se reconciliam, gastam milhões, têm caprichos e gostos, desgostos e maus gostos.
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Mas o que dizer de um fenômeno como a ¡Hola!?8 Essa revista, que agora é publicada não só em espanhol, mas em 11 idiomas, é avidamente lida — talvez seja mais exato dizer folheada — por milhões de leitores no mundo inteiro — entre eles os dos países mais cultos do planeta, como Canadá e Inglaterra —, que, como está demonstrado, se divertem muito com as notícias sobre o modo como os ricos, vencedores e famosos deste vale de lágrimas se casam, se descasam, se recasam, se vestem, se desvestem, brigam, se reconciliam, gastam milhões, têm caprichos e gostos, desgostos e maus gostos.
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Num de seus últimos artigos, “Não há piedade para Ingrid nem Clara”,9 Tomás Eloy Martínez indignava-se com o assédio a que os jornalistas da imprensa marrom submeteram Ingrid Betancourt e Clara Rojas, ao serem libertadas, depois de seis anos nas selvas colombianas sequestradas pelas FARC, com perguntas cruéis e estúpidas, como se tinham sido violentadas, se tinham visto outras prisioneiras serem violentadas, ou — a Clara Rojas — se havia tentado afogar num rio o filho que tivera com um guerrilheiro. “Esse jornalismo”, escrevia Tomás Eloy Martínez”, continua se esforçando por transformar as vítimas em peças de um espetáculo que se apresenta como informação necessária, mas cuja única função é satisfazer a curiosidade perversa dos consumidores do escândalo”. Seu protesto era justo, evidentemente. Seu erro consistia em supor que “a curiosidade perversa dos consumidores do escândalo” é patrimônio de uma minoria. Não é verdade: essa curiosidade corrói as vastas maiorias a que nos referimos quando falamos de “opinião pública”. Essa vocação maledicente, escabrosa e frívola, dá o tom cultural de nosso tempo, e é sua imperiosa demanda que toda a imprensa, tanto a séria quanto a descaradamente sensacionalista, se vê obrigada a atender, em graus diversos e com habilidades e formas diferentes.
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alimento mórbido exigido e reivindicado pela fome de espanto, que inconscientemente pressiona os meios de comunicação por parte do público leitor, ouvinte e espectador. Toda
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o Grande Bocejo de que falava Octavio Paz.
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Não está em poder do jornalismo por si só mudar a civilização do espetáculo, que ele contribuiu para forjar. Essa é uma realidade enraizada em nosso tempo, a certidão de nascimento das novas gerações, uma maneira de ser, de viver e talvez de morrer do mundo que nos coube, a nós, felizes cidadãos destes países, a quem a democracia, a liberdade, as ideias, os valores, os livros, a arte e a literatura do Ocidente ofereceram o privilégio de transformar o entretenimento passageiro na aspiração suprema da vida humana e o direito de contemplar com cinismo e desdém tudo o que aborreça, preocupe e lembre que a vida não só é diversão, mas também drama, dor, mistério e frustração.
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Se assim foi, muito bem, sucesso total.
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ver essas pinturas
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Chama-se Seurat e os banhistas e tem como tema o quadro Banhistas em Asnières, um dos dois mais famosos que aquele artista pintou (o outro é Uma tarde de domingo na ilha Grande Jatte), entre 1883 e 1884.
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genuína, crítica, representativa e audaz. Direi de imediato que nesse processo de solapamento da ideia tradicional de cultura surgiram livros tão sugestivos como o que Mikhail Bakhtin dedicou à Cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais, no qual, com raciocínios sutis e exemplos saborosos, põe em contraste o que chama de “cultura popular”, espécie de contraponto à cultura oficial e aristocrática, segundo o crítico russo.
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A cultura popular satiriza a oficial com réplicas que, por exemplo, desnudam e exageram o que esta oculta e censura como “infra-humano”, ou seja, sexo, funções excrementícias, descortesia, opondo o agressivo “mau gosto” ao suposto “bom gosto” das classes dominantes.
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aqui entra a insustentável leveza doser pra mim...
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Não se deve confundir a classificação formulada por Bakhtin e outros críticos literários de estirpe sociológica — cultura oficial e cultura popular — com a divisão há muito existente no mundo anglo-saxão entre highbrow culture e a lowbrow culture: a cultura da sobrancelha erguida e a de sobrancelha caída.
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Bakhtin e seguidores (conscientes ou inconscientes) fizeram algo mais radical: aboliram as fronteiras entre cultura e incultura e conferiram dignidade relevante ao inculto, garantindo que o que possa haver de imperícia, vulgaridade e negligência neste âmbito discriminado é compensado por sua vitalidade, seu humor e pela maneira desinibida e autêntica com que representa as experiências humanas mais compartilhadas.
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viver na confusão de um mundo onde, paradoxalmente, como já não há maneira de saber o que é cultura, tudo é cultura e nada é cultura.
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E entre cultura e especialização há tanta distância quanto entre o homem de Cro-Magnon e os sibaritas neurastênicos de Marcel Proust.
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não há modo algum de discernir com um mínimo de objetividade o que é belo em arte e o que não é. Até mesmo falar desse modo já se mostra obsoleto, pois a própria noção de beleza está tão desacreditada quanto a clássica ideia de cultura.
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Hierarquias no amplo espectro dos saberes que formam o conhecimento, uma moral o mais tolerante possível que exija a liberdade e possibilite a expressão à grande diversidade dos seres humanos, mas seja firme na rejeição a tudo o que avilte e degrade a noção básica de humanidade e ameace a sobrevivência da espécie, uma elite não pautada pela razão de nascimento nem pelo poder econômico ou político, mas pelo esforço, pelo talento e pela obra realizada, com autoridade moral para estabelecer, de maneira flexível e renovável, uma ordem de prioridades e importância de valores tanto no espaço próprio das artes quanto nas ciências e nas técnicas: isso foi cultura nas circunstâncias e sociedades mais ilustradas que a história conheceu, o que ela deveria voltar a ser se não quisermos progredir sem rumo, às cegas, como autômatos, em direção à nossa própria desintegração. Só desse modo a vida iria sendo cada dia mais digna de ser vivida para a maioria, na busca do sempre inalcançável anseio por um mundo feliz.
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Posso parecer pessimista, mas minha impressão é de que, com uma irresponsabilidade tão grande como nossa irreprimível vocação para a brincadeira e a diversão, fizemos da cultura um daqueles castelos de areia, vistosos mas frágeis, que se desmancham com a primeira ventania.
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As ocorrências do mundo real já não podem ser objetivas; nascem minadas em sua verdade e consistência ontológica por esse vírus dissolvente que é sua projeção nas imagens manipuladas e falsificadas da realidade virtual, as únicas admissíveis e compreensíveis para uma humanidade domesticada pela fantasia midiática dentro da qual nascemos, vivemos e morremos (nem mais nem menos que os dinossauros de Spielberg).
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crítico e a sã rebeldia de crianças e adolescentes. Muitos mestres, de boa-fé, deram crédito a essa satanização de si mesmos e, pondo lenha na fogueira, contribuíram para aumentar o estrago, aderindo a algumas das mais disparatadas consequências da ideologia de maio de 68 no que se refere à educação, como considerar aberrante a reprovação dos maus alunos, a repetição de ano e até mesmo a atribuição de notas e o estabelecimento de uma ordem de preferência no rendimento escolar dos estudantes, pois, fazendo semelhantes distinções, se propagariam a nefasta noção de hierarquias, o egoísmo, o individualismo, a negação da igualdade e o racismo. É verdade que esses extremos não chegaram a afetar todos os setores da vida escolar, mas uma das perversas consequências do triunfo das ideias — das diatribes e fantasias — de maio de 68 foi que, como resultado disso, se acentuou brutalmente a divisão de classes a partir das salas de aula.
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Muitos mestres, de boa-fé, deram crédito a essa satanização de si mesmos e, pondo lenha na fogueira, contribuíram para aumentar o estrago, aderindo a algumas das mais disparatadas consequências da ideologia de maio de 68 no que se refere à educação, como considerar aberrante a reprovação dos maus alunos, a repetição de ano e até mesmo a atribuição de notas e o estabelecimento de uma ordem de preferência no rendimento escolar dos estudantes, pois, fazendo semelhantes distinções, se propagariam a nefasta noção de hierarquias, o egoísmo, o individualismo, a negação da igualdade e o racismo. É verdade que esses extremos não chegaram a afetar todos os setores da vida escolar, mas uma das perversas consequências do triunfo das ideias — das diatribes e fantasias — de maio de 68 foi que, como resultado disso, se acentuou brutalmente a divisão de classes a partir das salas de aula.
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ligação entre a derrocada da educação e maio de 68
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Também nisso Foucault não esteve só, mas assumiu o preceito de toda uma geração, que marcaria como ferrete a cultura de seu tempo: a propensão ao sofisma e ao artifício intelectual. Essa é outra razão da perda de “autoridade” de muitos pensadores de nosso tempo: não eram sérios, brincavam com as ideias e as teorias como os malabaristas dos circos brincam com lenços e clavas, que divertem e até causam admiração, mas não convencem. No campo da cultura, chegaram a produzir uma curiosa inversão de valores: a teoria, ou seja, a interpretação chegou a substituir a obra de arte, a tornar-se sua razão de ser. O crítico importava mais que o artista, era o verdadeiro criador. A teoria justificava a obra de arte, esta existia para ser interpretada pelo crítico, era algo assim como uma hipóstase da teoria. Esse endeusamento da crítica teve o paradoxal efeito de ir afastando cada vez mais a crítica cultural do grande público, inclusive do público culto, mas não especializado, e foi um dos fatores mais eficazes da frivolização da cultura de nossos dias. Aqueles teóricos expunham suas teorias frequentemente com um jargão esotérico, pretensioso e muitas vezes oco e desprovido de originalidade e profundidade, a tal ponto que o próprio Foucault, que algumas vezes também incorreu nele, o chamou de “obscurantismo terrorista”.
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Evidentemente, não faltaram reações críticas às falácias e aos excessos intelectuais do pós-modernismo. Por exemplo, sua tendência a proteger-se e obter certa invulnerabilidade para suas teorias valendo-se de linguagem científica sofreu duro revés quando dois cientistas de verdade, os professores Alan Sokal e Jean Bricmont, publicaram em 1998 Imposturas intelectuais, uma contundente demonstração do uso irresponsável, inexato e muitas vezes cinicamente fraudulento das ciências, presente em ensaios de filósofos e pensadores tão prestigiados como Jacques Lacan, Julia Kristeva, Luce Irigaray, Bruno Latour, Jean Baudrillard, Gilles Deleuze, Félix Guattari e Paul Virilio, entre outros.
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Outra crítica severa às teorias e teses da moda pós-moderna foi Gertrude Himmelfarb, que, numa polêmica coleção de ensaios intitulada On Looking Into the Abyss [Olhando o abismo] (Nova York, Alfred A. Knopf, 1994), investiu contra aquelas e, sobretudo, contra o estruturalismo de Michel Foucault e o desconstrucionismo de Jacques Derrida e Paul de Man, correntes de pensamento que lhe pareciam vazias, se comparadas com as escolas tradicionais de crítica literária e histórica.
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Seu livro é também uma homenagem a Lionel Trilling, autor de The liberal imagination (1950) e de muitos outros ensaios sobre cultura, que exerceram grande influência na vida intelectual e acadêmica do pós-guerra nos Estados Unidos e na Europa, hoje lembrado por poucos e quase não lido.
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ninguém se dá nem o trabalho de refutá-las. A professora Himmelfarb mostra que, apesar dos poucos anos que separam a geração de Lionel Trilling das de Derrida ou Foucault, há um verdadeiro abismo intransponível entre aquele, convicto de que a história humana é uma só, o conhecimento é uma empresa totalizadora, o progresso é uma realidade possível, e a literatura é uma atividade da imaginação com raízes na história e projeções na moral, e os que relativizaram as noções de verdade e valor até as transformarem em ficções, entronizando como axioma que todas as culturas se equivalem, dissociando literatura de realidade e confinando-a num mundo autônomo de textos que remetem a outros textos sem nunca se relacionarem com a experiência vivida.
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Toda vez que enfrentei a prosa obscurantista e as asfixiantes análises literárias ou filosóficas de Jacques Derrida tive a sensação de estar perdendo miseramente o meu tempo. Não por acreditar que todo ensaio de crítica deva ser útil — se for divertido ou estimulante me basta —, mas porque, se a literatura for o que ele supõe — uma sucessão ou arquipélago de textos autônomos, impermeabilizados, sem contato possível com a realidade exterior, portanto imunes a qualquer valoração e inter-relação com o desenvolvimento da sociedade e o comportamento individual —, qual é a razão de desconstruí-los? Para que esses laboriosos esforços de erudição, de arqueologia retórica, essas árduas genealogias linguísticas, aproximando ou distanciando um texto de outro até constituir essas artificiosas desconstruções intelectuais que são como que vazios animados? Há uma incongruência absoluta no labor crítico que começa proclamando a inépcia essencial da literatura para influir na vida (ou para sofrer sua influência) e para transmitir verdades de qualquer índole, associáveis à problemática humana, e depois se dedica com tanto afã a esmiuçar esses monumentos de palavras inúteis, frequentemente com uma ostentação intelectual insuportavelmente pretensiosa.
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Esse ensaio de Lionel Trilling sobre o ensino da literatura eu reli várias vezes, principalmente quando precisei atuar como professor. É verdade que há algo de enganoso e paradoxal em reduzir a uma exposição pedagógica, com ares inevitavelmente esquemáticos e impessoais, e a deveres escolares que, ainda por cima, é preciso conceituar, obras de imaginação que nasceram de experiências profundas e, às vezes, dilacerantes, com verdadeiras imolações humanas, cuja autêntica valoração não pode ser feita na tribuna de um auditório, mas na ensimesmada intimidade da leitura, e só pode ser cabalmente medida pelos efeitos e repercussões que têm na vida pessoal do leitor.
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destaque interessante pra professores de literatura
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Não me lembro de nenhum professor meu de literatura que me fizesse sentir que um bom livro nos aproxima do abismo da experiência humana e de seus efervescentes mistérios. Os críticos literários, em compensação, sim.
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convicção de que o pior e o melhor da aventura humana sempre passam pelos livros, e de que eles ajudam a viver.
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contagiando-me com sua convicção de que o pior e o melhor da aventura humana sempre passam pelos livros, e de que eles ajudam a viver.
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ideias socialistas e sua literatura, desde que Michelet descobriu Vico até a chegada de Lenin a São Petersburgo, Rumo à estação Finlândia, caiu em minhas mãos no tempo de estudante.
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Têm razão Alain Finkielkraut, Élisabeth Badinter, Régis Debray, Jean-François Revel e os que estão com eles nessa polêmica: o véu islâmico deve ser proibido nas escolas públicas francesas em nome da liberdade.
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No final de 2009 houve um pequeno alvoroço midiático na Espanha quando se descobriu que a Junta da Extremadura, em poder dos socialistas, organizara, dentro de seu plano de educação sexual dos escolares, oficinas de masturbação para meninos e meninas a partir dos 14 anos, campanha que foi batizada, não sem sagacidade, de O prazer está em suas mãos.
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sexo só é saudável e normal entre os animais. Foi assim entre os bípedes quando ainda não éramos totalmente humanos, ou seja, quando o sexo era para nós desafogo do instinto e pouco mais que isso, descarga física de energia que garantia a reprodução. A desanimalização da espécie foi um longo e complicado processo, e nele teve papel decisivo o que Karl Popper chama de “mundo terceiro”, o da cultura e da invenção, o lento surgimento do indivíduo soberano, sua emancipação da tribo, com tendências, disposições, desígnios, anseios e desejos que o diferenciavam dos outros e o constituíam como ser único e intransferível. O sexo desempenhou papel importantíssimo na criação do indivíduo e, como mostrou Sigmund Freud, nesse domínio, o mais recôndito da soberania individual, são forjados os caracteres distintivos de cada personalidade, o que nos pertence como próprio e nos faz diferentes dos outros. Esse é um domínio privado e secreto, e deveríamos procurar fazer de tudo para que continue assim, se não quisermos obstruir uma das fontes mais intensas de prazer e criatividade, ou seja, da civilização.
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Georges Bataille não se equivocava quando alertou para os riscos da permissividade desenfreada em matéria sexual.
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Descobri que o erotismo está inseparavelmente unido à liberdade humana, mas também à violência, ao ler os grandes mestres da literatura erótica que Guillaume Apollinaire reuniu na coleção que organizou (prefaciando e traduzindo alguns de seus volumes) com o título Les maîtres de l’amour.
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Ali descobri com felicidade, dissimulada atrás de uns discretos biombos e de umas cortininhas pudibundas, uma esplêndida coleção de livros eróticos, quase todos franceses. Ali eu li as cartas e fantasias eróticas de Diderot e Mirabeau, o marquês de Sade e Restif de la Bretonne, Andréa de Nerciat, Aretino, Memórias de uma cantora alemã, Autobiografia de um inglês, Memórias de Casanova, Ligações perigosas de Choderlos de Laclos e não sei quantos outros livros clássicos e emblemáticos da literatura erótica.
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A literatura erótica torna-se pornografia por razões estritamente literárias: o descuido das formas. Ou seja, quando a negligência ou a inabilidade do escritor ao utilizar a linguagem, construir a história, desenvolver diálogos e descrever situações revela, involuntariamente, tudo o que há de reles e repulsivo num acasalamento sexual isento de sentimento e elegância — de mise-en-scène e de ritual —, convertido em mera satisfação do instinto reprodutor.
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Esse livro confirma o que toda literatura centrada no sexual mostrou à saciedade: separado das demais atividades e funções que constituem a existência, o sexo é extremadamente monótono, de um horizonte tão limitado que no final acaba sendo desumanizador. Uma vida imantada pelo sexo, e só por ele, rebaixa essa função a uma atividade orgânica primária, que não é mais nobre nem prazenteira que comer por comer, ou defecar. Só quando a cultura o civiliza e o carrega de emoção e paixão, quando o reveste de cerimônias e rituais, o sexo enriquece extraordinariamente a vida humana, e seus efeitos benéficos se projetam por todas as brenhas da existência. Para que essa sublimação ocorra é imprescindível, como explicou Georges Bataille, que se preservem certos tabus e regras que canalizem e freiem o sexo, de modo que o amor físico possa ser vivido — gozado — como uma transgressão. A liberdade irrestrita e a renúncia à teatralidade e ao formalismo em seu exercício não contribuíram para enriquecer o prazer e a felicidade dos seres humanos graças ao sexo, mas, ao contrário, para banalizá-lo, convertendo em mero passatempo o amor físico, uma das fontes mais férteis e enigmáticas do fenômeno humano.
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Hoje em dia, em todas as pesquisas sobre política uma maioria significativa de cidadãos opina que se trata de atividade medíocre e suja, que repele os mais honestos e capazes e recruta sobretudo nulidades e malandros que a veem como uma maneira rápida de enriquecer. Isso não ocorre apenas no Terceiro Mundo. O desprestígio da política em nossos dias não conhece fronteiras, e isso obedece a uma realidade incontestável: com variantes e matizes próprios de cada país, em quase todo o mundo, tanto no adiantado como no subdesenvolvido, o nível intelectual, profissional e sem dúvida também moral da classe política decaiu. Isso não é privativo das ditaduras. As democracias sofrem esse mesmo desgaste, e sua consequência é o desinteresse pela política, demonstrado pelo grau de abstenções nos processos eleitorais, algo tão frequente em quase todos os países. As exceções são raras. Provavelmente já não restam sociedades nas quais o fazer cívico atraia os melhores.
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jornalismo escandaloso é um perverso enteado da cultura da liberdade. Não pode ser suprimido sem que se inflija ferimento mortal à liberdade de expressão.
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jornalismo escandaloso é um perverso enteado da cultura da liberdade. Não pode ser suprimido sem que se inflija ferimento mortal à liberdade de expressão.
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O jornalismo escandaloso é um perverso enteado da cultura da liberdade. Não pode ser suprimido sem que se inflija ferimento mortal à liberdade de expressão.
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avanço da tecnologia audiovisual e dos meios de comunicação, que serve para contrapor-se aos sistemas de censura e controle nas sociedades autoritárias, deveria ter aperfeiçoado a democracia e incentivado a participação na vida pública. Mas teve efeito contrário, porque em muitos casos a função crítica do jornalismo foi distorcida pela frivolidade e pela avidez de diversão da cultura reinante. Ao expor ao público, em suas pequenezas e misérias, a intimidade da vida política e diplomática, como fez o Wikileaks de Julian Assange, o jornalismo contribuiu para despojar de respeitabilidade e seriedade uma atividade que, no passado, conservava certa aura mítica, de espaço fecundo para o heroísmo civil e para as iniciativas audazes a favor dos direitos humanos, da justiça social, do progresso e da liberdade. Em muitas democracias, como consequência da frenética busca do escândalo e da bisbilhotice barata que se encarniça com os políticos, o que o grande público conhece melhor sobre eles é o que de pior eles podem mostrar. E o que mostram é, em geral, a mesma atividade penosa em que nossa civilização transforma tudo o que toca: uma comédia de fantoches capazes de lançar mão das piores artimanhas para ganhar o favor de um público ávido de diversão.
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raiz do fenômeno está na cultura. Ou melhor, na banalização lúdica da cultura imperante, em que o valor supremo é agora divertir-se e divertir, acima de qualquer outra forma de conhecimento ou ideal. As pessoas abrem um jornal, vão ao cinema, ligam a tevê ou compram um livro para se entreter, no sentido mais ligeiro da palavra, não para martirizar o cérebro com preocupações, problemas, dúvidas. Só para distrair-se, esquecer-se das coisas sérias, profundas, inquietantes e difíceis, e entregar-se a um devaneio ligeiro, ameno, superficial, alegre e sinceramente estúpido.
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Desde que comecei a ler os livros e os artigos de Fernando Savater — deve fazer uns trinta anos — ocorre-me com ele algo que não me ocorre com nenhum outro escritor de minha preferência: quase nunca discordo de seus julgamentos e críticas.
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A severíssima condenação por parte do papa Bento XVI dos Legionários de Cristo, declarando sua reorganização integral, e de seu fundador, o padre Marcial Maciel, mexicano, bígamo, incestuoso, vigarista, estuprador de meninos e meninas, inclusive de um de seus próprios filhos — personagem que parece saído dos romances do marquês de Sade —, não dissipa as sombras que tudo isso lançou sobre uma das mais importantes religiões do mundo.
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Por outro lado, a ofensiva missionária protestante na América Latina e em outras regiões do Terceiro Mundo é enorme, decidida e obteve resultados notáveis. Em muitos lugares afastados e marginalizados, de extrema pobreza, as igrejas evangélicas ocuparam o lugar do catolicismo, que, por falta de sacerdotes ou por esmorecimento do fervor missionário, cedeu terreno às impetuosas igrejas protestantes. Estas têm boa acolhida entre as mulheres por proibir o álcool e pela exigência de dedicação constante às práticas religiosas por parte dos conversos, o que contribui para a estabilidade das famílias e mantém os maridos afastados de bares e bordéis.
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Todos creem que, por mais equitativa que seja a lei, por mais respeitável que seja o corpo de magistrados encarregados de administrar a justiça, ou por mais honrados e dignos que sejam os governos, a justiça nunca chega a ser uma realidade tangível e ao alcance de todos, que defenda o indivíduo comum, o cidadão anônimo, de abusos, desrespeito e discriminação por parte dos poderosos. Por isso, não é de estranhar que a religião e as práticas religiosas estejam mais arraigadas nas classes e nos setores mais desfavorecidos da sociedade, aqueles que, por sua pobreza e vulnerabilidade, mais sofrem abusos e vexames de todos os tipos que, de modo geral, permanecem impunes. Suporta melhor a pobreza, a discriminação, a exploração e o desrespeito quem acredita que após a morte haverá desagravo e reparação para tudo isso. (Por esse motivo Marx chamou a religião de “ópio do povo”, droga que anestesia o espírito rebelde dos trabalhadores e possibilita que seus senhores vivam tranquilos a explorá-los.)
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Pouquíssimos seres humanos são capazes de aceitar a ideia do “absurdo existencialista” de estarmos “lançados” aqui no mundo por obra de um acaso incompreensível, um acidente estelar, de nossa vida ser mera casualidade desprovida de ordem e coerência, de tudo o que ocorra ou deixe de ocorrer com ela depender exclusivamente de nossa conduta e vontade e da situação social e histórica em que nos achamos inseridos. Essa ideia, que Albert Camus descreveu em O mito de Sísifo com lucidez e serenidade, da qual extraiu belas conclusões sobre a beleza, a liberdade e o prazer, é capaz de submergir o comum dos mortais na anomia, na paralisia e no desespero.
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As Cruzadas, a Inquisição, o Index são outros tantos símbolos da intransigência, do dogmatismo e da ferocidade com que a Igreja combateu a liberdade intelectual, científica e artística, assim como das duras batalhas que os grandes lutadores precisaram travar pela liberdade nos países católicos.
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Por outro lado, nas atividades criativas e, digamos, não práticas, o capitalismo provoca uma confusão total entre preço e valor, de que este último sempre sai prejudicado, algo que, no curto ou longo prazo, leva à degradação da cultura e do espírito, que é a civilização do espetáculo. O mercado livre fixa os preços dos produtos em função da oferta e da demanda, e por isso em quase todos os lugares, inclusive nas sociedades mais cultas, obras literárias e artísticas de altíssimo valor ficam diminuídas e são deixadas de lado, em virtude de sua dificuldade e da exigência de certa formação intelectual e de uma sensibilidade aguçada para serem totalmente apreciadas. Como contrapartida tem-se que, quando o gosto do grande público determina o valor de um produto cultural, é inevitável que, em muitíssimos casos, escritores, pensadores e artistas medíocres ou nulos, mas vistosos e pirotécnicos, espertos na publicidade e na autopromoção ou hábeis em acalentar os piores instintos do público, atinjam altíssimos níveis de popularidade, pareçam ser os melhores à maioria inculta, e suas obras sejam as mais cotadas e divulgadas. Isso, na esfera da pintura, por exemplo, como vimos, levou ao ponto de as obras de verdadeiros embusteiros alcançarem preços vertiginosos, graças às modas e à manipulação do gosto dos colecionadores por galeristas e críticos. Tais coisas induziram pensadores como Octavio Paz a condenar o mercado e a afirmar que ele foi o grande responsável pela bancarrota da cultura na sociedade contemporânea.
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Todos os grandes pensadores liberais, de John Stuart Mill a Karl Popper, passando por Adam Smith, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Isaiah Berlin e Milton Friedman, ressaltaram que a liberdade econômica e política só cumpre cabalmente sua função civilizadora, criadora de riqueza e de empregos, defensora do indivíduo soberano, da vigência da lei e do respeito aos direitos humanos, quando a vida espiritual da sociedade é intensa, mantém viva e inspira uma hierarquia de valores respeitada e acatada pelo corpo social. Segundo eles, esse é o melhor modo de fazer desaparecer ou pelo menos atenuar a ruptura entre preço e valor.
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O uso do véu ou das túnicas que cobrem parcial ou inteiramente o corpo da mulher não deveria ser objeto de debate numa sociedade democrática. Acaso nela não existe liberdade? Que tipo de liberdade é esse que impediria uma menina ou uma jovem de vestir-se de acordo com as prescrições de sua religião ou com seu capricho? Contudo, não é nada indubitável que o uso do véu ou da burca seja uma decisão livremente tomada pela menina, jovem ou mulher, que os usa. É muito provável que ela os use não por gosto nem por um ato livre e pessoal, mas sim como símbolo da condição que a religião islâmica impõe à mulher, ou seja, de absoluta servidão ao pai ou ao marido. Nessas condições, o véu e a túnica deixam de ser apenas peças de vestuário e se transformam em emblemas da discriminação que cerca a mulher ainda em boa parte das sociedades muçulmanas. Um país democrático, em nome do respeito às crenças e culturas, deve tolerar que em seu seio continuem existindo instituições e costumes (ou melhor, preconceitos e estigmas) que a democracia aboliu há séculos à custa de grandes lutas e sacrifícios? A liberdade é tolerante, mas não pode sê-lo para aqueles que, com sua conduta, a neguem, escarneçam dela e, afinal de contas, queiram destruí-la. Em muitos casos, o emprego de símbolos religiosos como a burca e o hijab, usados pelas meninas muçulmanas nos colégios, é mero desafio à liberdade que a mulher alcançou no Ocidente, liberdade que gostariam de cercear, obtendo concessões e constituindo enclaves soberanos no seio de uma sociedade aberta. Isso significa que, por trás do traje aparentemente inócuo, espreita uma ofensiva que pretende obter direitos para práticas e comportamentos incompatíveis com a cultura da liberdade.
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O uso do véu ou das túnicas que cobrem parcial ou inteiramente o corpo da mulher não deveria ser objeto de debate numa sociedade democrática. Acaso nela não existe liberdade? Que tipo de liberdade é esse que impediria uma menina ou uma jovem de vestir-se de acordo com as prescrições de sua religião ou com seu capricho? Contudo, não é nada indubitável que o uso do véu ou da burca seja uma decisão livremente tomada pela menina, jovem ou mulher, que os usa. É muito provável que ela os use não por gosto nem por um ato livre e pessoal, mas sim como símbolo da condição que a religião islâmica impõe à mulher, ou seja, de absoluta servidão ao pai ou ao marido. Nessas condições, o véu e a túnica deixam de ser apenas peças de vestuário e se transformam em emblemas da discriminação que cerca a mulher ainda em boa parte das sociedades muçulmanas. Um país democrático, em nome do respeito às crenças e culturas, deve tolerar que em seu seio continuem existindo instituições e costumes (ou melhor, preconceitos e estigmas) que a democracia aboliu há séculos à custa de grandes lutas e sacrifícios? A liberdade é tolerante, mas não pode sê-lo para aqueles que, com sua conduta, a neguem, escarneçam dela e, afinal de contas, queiram destruí-la. Em muitos casos, o emprego de símbolos religiosos como a burca e o hijab, usados pelas meninas muçulmanas nos colégios, é mero desafio à liberdade que a mulher alcançou no Ocidente, liberdade que gostariam de cercear, obtendo concessões e constituindo enclaves soberanos no seio de uma sociedade aberta. Isso significa que, por trás do traje aparentemente inócuo, espreita uma ofensiva que pretende obter direitos para práticas e comportamentos incompatíveis com a cultura da liberdade. A imigração é indispensável para os países desenvolvidos que queiram assim continuar e, também por essa razão prática, eles devem favorecê-la e acolher trabalhadores de línguas e crenças distintas. Evidentemente, um governo democrático deve facilitar para essas famílias imigrantes a preservação da religião e dos costumes. Mas desde que estes não firam os princípios e as leis do Estado de direito. Este não admite a discriminação nem a submissão da mulher a uma servidão que faz tábua rasa de seus direitos humanos. Uma família muçulmana numa sociedade democrática tem a mesma obrigação das famílias oriundas dessa sociedade a ajustar sua conduta às leis vigentes, mesmo quando estas contradizem costumes e comportamentos inveterados de seus lugares de origem. Esse é o contexto no qual sempre se deve situar o debate sobre o véu, a burca e o hijab. Assim se entenderia melhor a decisão da França, justa e democrática em minha opinião, de proibir categoricamente o uso do véu ou de qualquer outra forma de uniforme religioso para as meninas nas escolas públicas.
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Termino com uma nota pessoal um tanto melancólica. De alguns anos para cá, sem que eu percebesse muito bem no início, ao visitar exposições, assistir a alguns espetáculos, ver certos filmes, peças de teatro ou programas de televisão, ler certos livros, revistas e jornais, passei a ser assaltado pela incômoda sensação de que estavam gozando da minha cara e não havia como me defender diante de uma conspiração esmagadora e sutil para fazer que eu me sentisse inculto ou estúpido.
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Tais questões se refratam nestas páginas através da experiência de alguém que, desde que descobriu a aventura espiritual através dos livros, sempre teve por modelo aquelas pessoas que se moviam com desenvoltura no mundo das ideias e tinham claros alguns valores estéticos que lhes permitiam opinar com segurança sobre o que era bom e ruim, original ou imitação, revolucionário ou rotineiro, tanto em literatura quanto em artes plásticas, filosofia e música. Muito consciente das deficiências de minha formação, durante toda a vida procurei suprir esses vazios, estudando, lendo, visitando museus e galerias, indo a bibliotecas, conferências e concertos.
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Não havia nisso sacrifício algum. Havia, sim, o imenso prazer de ir descobrindo como meu horizonte intelectual se ampliava, pois entender Nietzsche ou Popper, ler Homero, decifrar o Ulisses de Joyce, degustar a poesia de Góngora, Baudelaire, T. S. Eliot, explorar o universo de Goya, Rembrandt, Picasso, Mozart, Mahler, Bartók, Tchekhov, O’Neill, Ibsen, Brecht, enriquecia extraordinariamente minha fantasia, meus apetites e minha sensibilidade.
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Ali, ao longo de dois anos, escreveu o polêmico livro que o tornou famoso. Intitula-se em inglês The Shallows: What the Internet is Doing to Our Brains e em espanhol: Superficiales: ¿Qué está haciendo Internet con nuestras mentes? (Taurus, 2011).15 Acabo de lê-lo de uma tacada só e fiquei fascinado, assustado e entristecido.
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Não é estranho, por isso, que alguns fanáticos da web, como o professor Joe O’Shea, filósofo da Universidade da Flórida, afirmem: “Sentar-se e ler um livro de cabo a rabo não tem sentido. Não é um bom uso de meu tempo, já que posso ter toda a informação que quiser com maior rapidez através da web. Quando alguém se torna caçador experiente na internet, os livros são supérfluos.” O que há de atroz nessa frase não é a afirmação final, mas o fato de o filósofo em questão acreditar que as pessoas leem livros só para “informar-se”. Esse é um dos estragos que o vício frenético na telinha pode causar. Daí a patética confissão da doutora Katherine Hayles, professora de Literatura da Universidade de Duke: “Já não consigo fazer meus alunos lerem livros inteiros.”
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Mas devemos nos preocupar se esse progresso significar aquilo que um erudito estudioso dos efeitos da internet em nosso cérebro e em nossos costumes, Van Nimwegen, deduziu depois de um de seus experimentos: que deixar por conta dos computadores a solução de todos os problemas cognitivos reduz “a capacidade do cérebro de construir estruturas estáveis de conhecimentos”. Em outras palavras: quanto mais inteligente nosso computador, mais burros seremos.
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Este contexto gerou uma situação de privilégio para a palavra escrita e seu principal expoente, a literatura. Tem ela a oportunidade, eu quase diria a obrigação — já que pode, sim — de ser problemática, “perigosa” (como acreditam os ditadores e os fanáticos), agitadora de consciências, inconformista, preocupante, crítica, empenhada, segundo o refrão, em cutucar com vara curta o que sabe ser uma onça. Há um vazio por preencher, e os meios audiovisuais não estão em condições nem têm permissão para preenchê-lo totalmente. Esse trabalho deverá ser feito, se não quisermos que o mais precioso bem de que gozamos (as minorias que gozamos dele) — a cultura da liberdade, a democracia política — se deteriore e sucumba, por omissão de seus beneficiários.
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A liberdade é um bem precioso, mas não está garantida a nenhum país e a nenhuma pessoa que não saiba assumi-la, exercitá-la e defendê-la. A literatura, que respira e vive graças a ela, que sem ela asfixia, pode levar a compreender que a liberdade não é uma dádiva do céu, mas escolha, convicção, prática e ideias que devem ser enriquecidas e postas à prova o tempo todo.
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Em seus anos de exílio na França, quando a Europa inteira ia caindo diante do avanço dos exércitos nazistas, que pareciam irresistíveis, um homem das letras, nascido em Berlim, Walter Benjamin, estudava diligentemente a poesia de Charles Baudelaire. Escrevia um livro sobre ele, que nunca foi terminado, do qual deixou alguns capítulos que hoje lemos com a fascinação que em nós produzem os mais fecundos ensaios. Por que Baudelaire? Por que esse tema, naquele momento sombrio? Lendo-o, descobrimos que em Les Fleurs du Mal havia respostas para inquietantes interrogações feitas à vida do espírito e do intelecto pelo desenvolvimento de uma cultura urbana, pela situação do indivíduo e seus fantasmas numa sociedade massificada e despersonalizada com o crescimento industrial, pela orientação que a literatura, a arte, o sonho e os desejos humanos adotariam naquela nova sociedade. A imagem de Walter Benjamin inclinado sobre Baudelaire enquanto se fechava em torno de sua pessoa o cerco que acabaria por afogá-lo é tão comovedora como a do filósofo Karl Popper, que, naqueles mesmos anos, em seu exílio no outro lado do mundo, Nova Zelândia, punha-se a aprender grego clássico e a estudar Platão, como — as palavras são suas — contribuição pessoal para a luta contra o totalitarismo. Assim nasceria esse livro fundamental, A sociedade aberta e seus inimigos.
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Embora as limitações e os erros que este ensaio possa ter sejam só meus, seus eventuais acertos devem muito às sugestões de três amigos generosos que leram o manuscrito; quero citá-los e agradecer-lhes: Verónica Ramírez Muro, Jorge Manzanilla e Carlos Granés.

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expressão”, na verdade se documentava a terrível orfandade de ideias, cultura artística, habilidade artesanal, autenticidade e integridade que caracteriza boa parte das artes plásticas em nossos dias.
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